segunda-feira, 6 de outubro de 2008

3 negros corvos

Hoje sobre a estrada, uma larga de muitas faixas e apinhada de carros em direcção à grande cidade, vi passar a voar, 3 pássaros negros, indiferentes à azafama de ser manhã de segunda-feira, o dia da semana em que nós os seres modernos, agarrados ao volante, de olhos no relógio a tentar parar o tempo sentimos maior ansiedade doentia, bem balanceada, claro está, com os nossos ódios de estimação, esperanças legitimas ou de paixões a mulheres alheias. Poisaram sem pudor sobre um pinheiro.

Um pinheiro manso, por si só anacrónico naquele local, intercepção de muito alcatrão negro, mas não tanto como as penas que vestem as 3 aves que poisadas não querem saber de mim, nem de todos os outros que me seguem ou pré-seguem.

Não sou especialista nem poeta, mas consigo reconhecer os corvos e só me vêm à cabeça a palavra Raven, génio mistério escrito por Poe e cantado por Parsons e sinto o rodopio do crescer de uma força de raiva que alimenta a minha fome de querer pensar e sentir de forma diferente dos outros a presença dos bichos.

Depois engoli em seco e tal menino comportado e conhecedor das regras básicas de boa condução lá segui em direcção à portagem, sem deixar de espreitar pelo canto do espelho para os corvos, que pareciam sorrir enquanto pensavam que lá vai mais um ser estranho sem asas, sem encanto nem negro mistério.

Ref. de Outrem: The Raven por Edgar Allan Poe: http://www.ojai.net/swanson/theraven.htm


Alan Parsons Project-The Raven Tales of Mistery and Imagination

4 comentários:

Ana Teresa disse...

Olá Caro LBJ,
Não sou neófita no seu blog ou noutros espaços onde deixa a sua fabulosa marca, que visito pontualmente e algumas vezes passivamente esmagada pelo que escreve. Atrevi-me hoje a debutar comentá-lo. Aqui, num post ainda sem histórias e que está assombrado de corvos. Senti um enorme apelo a fazê-lo depois de ler o seu mais recente testemunho. Depois de lhe sentir as dores pela infâmia de quem, biltre, tão ávido de sangue e contaminado de crueldade mesquinha o quis ferir. Assolou-me uma vontade cavaleiresca de saír em sua defesa. Enfim, fiquei feliz pelo coro de nobilíssimos peregrinos que movidos pela mesma fé, o fizeram também em meu nome.

Numa catarse- e porque não tenho um espaço aberto ao público- lembrei-me de um escrito meu. Algo que lapidei de mim num clonado semelhante do que senti poder ser o seu. Fica cá atrás , num silêncio ocultado pelos dias que já cultivou depois deste, e por favor apague sem peso, se me achar invasiva ou inconviniente. Desculpe o meu abuso.

"Talvez um dia tenhas o entendimento da pessoa que sou e que está tão noutra bolha de realidade distante da pequenez pusilânime que me reduz e onde me agrilhoaste cruelmente. Sou uma entre milhares, que também fez escolhas e já aprendeu num perpétuo movimento, com tantas aquelas que nem sempre foram as melhores ou onde, numa contrição humilde, não me glorifiquei - mas a construir-me sempre. Sinto a coluna dorsal esticada e a aceitar de quem gosto o reconhecimento tácito desse meu estranho modo de vida. Esse é que eu estou de alma aberta ao mundo, que olho pelas janelas entre as frinchas das gelosias dos outros, sem censura. A consciência e responsabilidade de que um juízo é arcano e tem sortilégio nos outros. Não te precipites,Eu sou uma outra.
Na minha herança se disse pela voz da mais sábia das minhas mulheres, que posso ser uma livre pensadora e ter vida e força para ditar as minhas regras. Sou portanto perigosa, suspeita – Mãe, como és imensa- Ela disse-me para nunca me privar de viver os outros pelo que alguns menos iluminados pudessem recriar de mim. Que era um caminho duro, porque era verdadeiro. E é verdade. Este arbítrio não é fácil, mas é real, íntegro, inteiro. Não tenho mentiras, nem verdades mutiladas. Tentaste-me num caminho de um velo obscuro, onde deixei de me incandescer de pureza. Rebelei-me. Já não estou zangada. Reconheço que somos diferentes, queremos coisas distintas e sentimos a vida a outro ritmo. Soltei-me. Vives agora noutra bolha que não é aquela que eu respiro.
Assim temos ambos mais ar para viver."

Bem haja pelo seu tempo, um sopro imenso de ar fresco nessa bolha onde pode respirar melhor.

LBJ disse...

Ana,

Enorme prazer me deram as tuas palavras e saber das tuas visitas que gostaria que deixassem de ser passivas.

Já nem me lembrava deste velho post assombrado por corvos e onde agora me releio e penso o quanto aprendi neste tempo de entretanto.

Sinto que amas como eu as palavras e sinto que as gostas de moldar em construções de saberes.

Gostei de te ler e fiquei com mais vontade de te reler.

Bem Hajas por me considerares.

Beijos

Ana Teresa disse...

Olá LBJ,

Bem-hajas pelas boas vindas onde tiveste o condão de não me fazer intrusa.

Irei, como feliz convidada agora, sob a benção do meu anfitrião, acompanhando os teus passados e os teus mais presentes.

Entendo quando falas das cambiantes que te deram novas densidades. A quarta dimensão sidera-me pelo quão pouco tem de cronológico e o tanto que tem de mental. Meses podem encapsular-se por eternidades ou serem uma vertigem que já passou. Hélas... Dobrares de tempo e vida. No teu caso acidulados, adocicados, crus, tácteis ou etéreos, exorcisados em catarse ou em celebrações com hinos e fitas de seda em cores ricas de sari.

Gosto muito de te ler LBJ.

Um lindíssimo fim de semana para ti.

LBJ disse...

Ana,

Por boas razões e pelas piores razões os meses que me separam destes corvos que vi poisados num pinheiro manso parecem-me agora anos e como compreendo a tua explanação da dimensão estranha de como percebemos o tempo.

Gostei da forma como vês mais do que lês as minhas palavras.

Obrigado por gostares muito do que escrevo e dos votos de um bom fim-de-semana que devolvo com prazer.

Beijos