segunda-feira, 29 de junho de 2009

Midwinter daymare – Entering Puck



Há dias de inverno em que a luz do dia se ofusca de cinzentos, filtrada por negras nuvens que se escurecem e teimam em não se querer chorar em lágrimas de chuva. Nesses dias as criaturas que vivem na noite abandonam os buracos e saem das florestas sem recear os medos ou os homens.

De tempos a tempos as fadas e outros seres de mistério e poder, sem se saber porquê, apenas movidos pela vontade própria decidem revelar-se às arvores ou a quem lhes apetece, aos bichos rasteiros, animais colectores ou predadores e até aos seres que se intitulam de humanos.
Fizeram-no ao bardo poeta, num momento de generosidade, sobre a forma de sonho numa noite quente, sem brisas. Mostraram-se ao poeta em formas belas inspirando arte escrita sobre a forma de comédia.
Fizeram-no ao Veneziano adoptado, num momento de encanto, sobre a forma de fábula céltica em tempo de guerra. Mostraram-se ao contador em formas de enigma inspirando arte pintada sobre a forma de lenda.
Fizeram-no ao mestre dos sonhos, num momento de trapaça, sobre a forma de personagens secundários numa história principal. Mostraram-se ao sonhador em formas de negro inspirando arte gráfica sobre a forma de fantasia.
Mas as fadas e os faunos e os duendes e os trolls e as banshees podem assumir a forma que quiserem e é raro que se mostrem como criaturas de sonho e é raro que nos inspirem bons sentimentos, preferem mais ser personagens de pesadelo, elementos manipuladores que nos puxam os cordelinhos das emoções só por que lhes caímos em desgraça e nem poderemos entender os seus objectivos pelo menos com nossos padrões de compreensão.

Foi num dia deste inverno em que me escureci da cor do céu, que o vi pela primeira vez, um ser pequeno, a dar-me pela cintura com pernas de bode e corpo de macaco, de rosto sorridente, que mudava de face por entre o feio e o belo, pequenos chifres e orelhas pequenas e pontiagudas. Esfreguei os olhos na dúvida da aparição e ele não desapareceu e disse-me que era Puck o artista maldito, servo de confiança do rei Oberon e amante da rainha Titania e agora meu conselheiro para os dias difíceis que me iriam visitar, para não me preocupar que ia ser o meu melhor amigo. Tentei sacudir-me do sonho, mas era dia e não dormia, era finalmente a loucura a conquistar o seu direito de me possuir.

“Eu sou tanto o produto da tua imaginação, como tu és da minha, podes aceitar-me como um incomodo, uma comichão num sitio que não podes coçar em público ou uma dor que começa na cabeça e vai acabar no recto ou podemos ser parceiros, amigos, companheiros de folia e bebida e comida e festa, eu peço pouco e dou muito, dizem que dou sorte a quem me aceita e dizem que posso ser mau, maldoso, trapaceiro, enganador, traiçoeiro mas na realidade esta é a minha natureza, estarei aqui para ti, eu peço pouco e dou muito, agora apenas quero um pedacinho do teu espaço, ambiciono voltar a interagir com os homens, quero contar as minhas histórias, quero partilhar os teus leitores, quero que me libertes, que me venhas buscar a Dublin, serei o lúpulo no fundo de uma pint de Guiness, sabes que o lúpulo tem sexo e na Guiness o lúpulo é sempre feminino, eu posso ter muitas formas e nem sempre me apraz ser homem”

Acabei por ceder à minha loucura e fui a Dublin, queria libertar-me da minha imaginação delirante e bebi muitas Guiness e não o vi, nem o senti e regressei convencido que estava são, mas estava errado e agora este espaço deixou de ser só meu e sei que não voltará a ser o mesmo, o meu pesadelo acordado começa ou termina hoje…

The Pogues With The Dubliners-Irish Rover

terça-feira, 23 de junho de 2009

Ausência


Aos que tem prazer de me visitar peço desculpa pela minha ausência. Aos que tem prazer de receber a minha visita peço desculpa pela minha ausência.

Quem já me conhece, sabe que atravesso um período muito complicado da minha vida, que procuro atravessar um banco de nuvens negras com a esperança de emergir em renascimento e poder almejar de novo a ver o sol. Esta é talvez a fase mais difícil de todo este processo e não tem sido fácil e faz com que tenha que me ausentar deste espaço virtual mais do que gostaria. Agora vou ainda ter que me ausentar por razões profissionais por algum tempo, vou encomendar o meu destino às banshees e leprechauns na esperança de ainda encontrar o que cá vou abandonar.

Deixo-vos o espírito de como vou e para onde vou e um até já.


Clannad-Theme from Harry’s game

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O Privilégio do Disparate - Oitavo Henrique que gostava de mulheres em peças separadas teórico protestante reformista de vontade reinante


Uma vez na vida, gostava de não ter que estar dentro da minha cabeça. É que isto é muito povoado, habita por aqui muita bicharada e a coisa piora no período de “Happy Hour”, que ainda por cima não têm hora marcada, pode ser agora ou daqui a nada ou mesmo depois ou já ter passado, durar tão pouco tempo que por pouco não se aproveita ou dar para tirar a barriga de misérias, porque por aqui a “Happy Hour”, não tem regras, nem limites de consumo, carrega-se o que se pode, aceita-se qualquer tipo de garantia bancária, fia-se, até se aceita American Express, que é aquele plástico de crédito, que poucos aceitam, cheques refeição, selos de correio e ainda moedas europeias que tenham saído de circulação, pode-se até trocar favores e mandar assentar na conta.

Uma vez na vida, gostava de não ter que conviver com os dois loucos que por vezes se põem a dialogar entre si monólogos de situações mundanas e a fazer apostas sobre quem irá tropeçar primeiro na conjunção racional de um treçolho e depois há o outro completamente passado da chifradura, que só cá vem de vez em quando tomar banho e fazer perguntas sobre as coisas que não foram, as que agora não são porque ninguém lhe liga e sobre o futuro que será inevitavelmente negro, se é que se pode falar sobre futuro, porque nunca havemos de lá chegar ou se chegarmos será com dor, daquela que se pressente quando puxamos com força os pelinhos dos testículos.

Uma vez na vida, gostava de não ter que conviver com este inseguro que está sempre a olhar pelo canto do olho, habituado que foi a entender que se desmonta já não consegue montar e que nunca fez nada de proveitoso, nem articula, nem tem jeito nenhum para empilhar palavras, homem que apenas perde tempo com coisas que ninguém há-de perceber ou apreciar e que é mais feio do que um moinho de vento saído ao caminho de cavaleiro de rocinante.

Uma vez na vida, gostava de não ter que conviver com aquele preguiçoso que deixa para depois o que não deveria pensar em fazer amanhã e que não sabe o que quer porque não quer saber de querer ou quer agora o que sabe não querer depois ou depois se tudo correr bem é capaz de ainda vir a pensar em querer qualquer coisa que é melhor não querer agora porque se pode arrepender.

Uma vez na vida, gostava de não ter que conviver com este que se apaixona facilmente e que gosta de lugares mais prazenteiros, pontos ensolarados, adros de riso, ambientes fresquinhos e floridos, praias em dias ameno outonal, sardinha assada e torresmos soltos, doçarias conventuais ou qualquer coisa que leve ovos e açúcar e sorrisos de crianças e mulheres e de gatos e de cães e de peixes em aquário ou escalados só com sal e de marisco, desde que não sejam ostras e de mulheres que lhe sorriam e de bons filmes e música de ruído bom ou melhor entoada e de mulheres que lhe sorriam que gostem de partilhar alegria e bons filmes e boa música e dançar e rir e conversar e outras traquinices.

Uma vez na vida, gostava de não ter que conviver com o racional que teme e que se preocupa tanto que se esquece de que há prazos de validade e que a lei apenas obriga a dois anos de garantia. Que não se lembra que a vida se consome como um fósforo se não houver a coragem de meter a mão na chama.

Uma vez na vida, gostava de não ser eu ou se calhar uma vez na vida gostava de não gostar de não ser eu.


Talking Heads-Once in a life time

terça-feira, 16 de junho de 2009

Aridez

Hoje é um daqueles dias em que parece que o cérebro está seco, como uma fruta que se passou ao Sol ainda presa no tronco da árvore e que os ventos do fim do Outono hão-de fazer tombar no chão. Hoje é um daqueles dias em que a imaginação é água presa num dique estanque de betão cinzento sem fugas nem razões de fluir. Hoje é um daqueles dias em que pensar é um acto de esforço artificial, uma dor fina indistinta, presente, constante de ausência.

Apetece somente o não sei o quê e a aridez de deixar passar o tempo, para outro tempo mais cheio. Apetece somente o estado do lagarto que poupa energia debaixo do calor. Apetece somente a visita do gato que se espreguiça de mistérios. Apetece somente escutar ritmos lentos, bebendo suavidades sonoras em languidez melódicas. Apetece somente deixar a pontinha do suor escorrer sobre o viscoso do corpo, este corpo deitado sem deleite.

Saio de onde não entrei, sem convicção de realizar, debito vazios em estado puro, produzo obras não começadas e roteiros para ementas de fome. Entro por onde não posso sair, desejoso de uma nova manhã e outro acordar, de mais brilho de ideias, de voltar a poder ter o poder de esculpir o belo com conteúdo, de voltar a poder ter o poder de pintar o simples com significado, de voltar a ter o poder de poder escrever razões de vos merecer.


Lisa Ekdahl-Give me that slow knowing smile

sábado, 13 de junho de 2009

Paradoxo de Zenão



Quando é o medo e a dúvida que nos separam de um objectivo, ele será sempre inalcançável se de cada vez apenas formos capazes de percorrer metade do caminho que nos falta.

Iniciámos o percurso no dia que para mim é um paradoxo e para ti uma fé, curto espaço de tempo para tanta partilha, estivemos tão dentro um do outro, mapeámos todos os ses das nossas vidas numa comunhão de cumplicidades que só a amizade de longos anos poderia contemplar, trocámos suores e carinhos e espaços e beijos e apartares e sentimentos e ausências e angústias e dúvidas, afastámo-nos em abraço e aproximámo-nos em abstinência.

Tu rocha fingida translúcida que te derreteste em lágrimas pela tua ausência de mim, lágrimas que bebi para sentir o amargo da tua doçura. Eu rocha fingida opaca que me solidifiquei em sorrisos pela tua presença de mim, sorrisos que bebeste para sentir o doce da minha amargura.

Separam-nos grilhões e distâncias, ambos ignorantes no amor, desconhecemos o modo de empilhar as pedras e o cimento com que podemos solidificar esta fortaleza e acabámos a acordar juntos em alicerces de amizade eterna, sentimo-nos tão perto e tão longe mas com tanta força e intensidade que temos a certeza que a felicidade do outro será a nossa felicidade, a minha alegria a tua exaltação, a minha tristeza a tua aflição, a tua dor a minha mágoa, a tua satisfação a minha conquista, as etiquetas estão em branco a aguardar o amadurecer dos nossos quereres, ambos sentimos que a tinta com que as escreveremos não será feita de lágrimas, mas do sumo dos nossos sorrisos.
Phil Collins-I Wish It Would Rain Down

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Irrespirável


http://littleboyj.blogspot.com/2009/05/criatura-da-noite.html
http://littleboyj.blogspot.com/2009/05/inodora-manha.html


A bruma de um acordar sem cheiros começava agora a dissipar-se, percorri o caminho que me separava do parque no lapso que demorou o incandescente do cigarro a chegar ao filtro, senti o calor nos dedos e joguei a beata na direcção da sarjeta, como sempre ficou sem cair sobre as grades e com o pé fi-la mergulhar no esgoto, alimento para os peixinhos, pensei … O dia estava a ficar quente e eu gosto do calor, mas também gosto do vento e da chuva, nunca foi por causa do tempo que se me amornam os espíritos, costumo dizer que comigo o estado do tempo não é assunto de conversa, nem desculpa para me abrigar, embora não desdenhe enroscar-me noutros corpos em dias de poucas razões para apanhar ar.

Caminhei pelos caminhos de areia batida, ladeados do esverdeado de relva semi-amanhada, aqui e acolá árvores de plantação recente entre outras com memórias mais antigas remanescentes do bosque que já ali existia antes da cidade transbordar das margens do rio para o interior da terra. Algumas árvores mostravam rasgos gravados na casca expressando a necessidade dos homens de provarem uns aos outros, amores e ódios em formas de figuras de corações estilizados e nomes ilegíveis ou simplesmente marcas sem outro significado maior do que amostras de estupidez. Um dia passei-me com um rapazola que se entretinha a gravar num abeto com idade para ser seu avô, com um canivete, umas cruzes malditas, perguntei-lhe se não preferia que lhe tatuasse na testa o verdadeiro nome do fuher, armou-se em valente e acabou com um dente na mão, não que eu seja bom de porrada mas certas coisas transcendem-me do físico.

Avistei-o ao longe, sentado num banco a fingir que dava de comer aos patos, franzino, com ar de fuinha, o exemplo acabado do que devia ser um bom filho da puta sem vergonha da mãe, sorriu com ausência de pudor e poucos dentes, o cabrão devia ser proibido de abrir a boca em público, com tanto podre negro e o resto amarelado, dava nojo só de olhar - Ouviste a minha mensagem? – Perguntou com aquela voz de gozo com que se achava importante - Claro, porque razão achas que aqui estou, pelo prazer da tua companhia? Olha lá e um banho de vez em quando? – Aquilo até podia ser entendido como um insulto, não fora o cheiro nauseabundo que dele emanava e eu que ainda há pouco me faltava um cheiro, voltou a sorrir - A agua gasta a pele e já tomei banho um dia destes, até pus champu e tudo… mas se não me queres enrabar, não precisas de me cheirar, estás interessado no negócio? - Sentei-me no banco, tão afastado quanto possível - Talvez, mas parece-me uma coisa perigosa, eu sempre me dei mal quando me meti com políticos, de que lado está o dinheiro? – Levantou-se, agora mais sério - Perigoso? Talvez… mas agora deste em maricas foi?! O dinheiro diz-me tu, que tens mais experiência, virá do partido? Se calhar aquele teu amigo da televisão era capaz de pagar uma massas pela história ou a mulher, que dizem está forrada e lhe paga a carreira.

Levantei-me e olhei na direcção do lago para a superfície da água, plana de brilhos, serena e limitada sem nascente nem poente e recordei aquela pele suave e o momento em que a penetrei, o seu comprimir de coxas, os seus suspiros, por que raio me estava a lembrar disso agora, neste momento em que sentia a acalmia do ar e a serenidade das águas, nada, mas mesmo nada do que se tinha passado na noite se podia relacionar com calma, fora fogo, combustão de exaustão, o instante do fósforo - ele continuava a falar - quem era aquela mulher? Porque tinha entrado na minha vida? Porque desaparecera? Teria sido num sonho, a minha cabeça em roda livre, dando corpo ao desejo, não seria a primeira vez, mas eu sabia que não, a marca nos lábios ainda ardia, mas eu podia ter-me mordido no sonho, mas o bilhete e a embalagem do preservativo eram reais, não eu não tinha sonhado, o mar trouxe-me uma sereia, o vento pousou-a na falésia e uma mulher bem real consumiu-me, deixou-me irrespirável - ele continuava a falar - eu a tentar sentir ainda nas mãos o curvo dos seus seios, o rijo dos seus bicos e o calor húmido do seu interior - ele puxou-me o ombro - num repente a visão foi-se, morta!

- Olha lá, estou aqui a falar para o boneco? Estás interessado no negócio ou não? Porque se não estás, eu tenho mais quem esteja, não penses que és o único esgravulha vidas que conheço.
- Que garantias tens que é verdade o que me contaste? – Perguntei, enquanto acendia mais um cigarro.
- Dá-me um… Olha eu disse-te que tinha tomado banho um dia destes, engatei um gajo num bar, todo pintas, queria que eu lhe fizesse uma mamada, mas obrigou-me a tomar banho primeiro, ora o gajo pelos vistos tinha um namorado que lhe pôs os cornos e ainda estava fodido com a história ou neste caso deixou de ser fodido por causa da história e contou tudo, como os tinha seguido e apanhado num quarto de hotel na beira da auto-estrada – Dei-lhe um cigarro, que acendeu com as mãos a tremer.
- E tens o nome do tipo?
- Sim, o gajo gostou de se vir na minha boca, quer voltar a ver-me, deu-me o número de telefone e tudo – Só de imaginar alguém a querer ser chupado por aquela boca, dava-me náuseas, não sou preconceituoso, mas há coisas que não consigo mesmo perceber.
- E tu vais-me dar o número e o que queres em troca?
- Ora a tua eterna amizade e metade do que conseguires sacar e continuo a dizer que quando tiveres as coisas certinhas e bem cozidas, a mulher deverá ser quem dá mais dinheiro para as enterrar, tu sabes quem é a gaja, boa como o milho não que eu goste muito de milho, aparece muitas vezes a fotografia nas revistas, a das festas.
- Sei… Olha ainda não tenho a certeza de que me quero meter nisto, tenho trampa na vida que chegue, realmente estou um bocado à rasca de dinheiro e não tenho nada em vista, fazemos assim, tu dás-me o número e eu vou pensar no assunto, como sei que o vais tentar vender a mais dois ou três não perdes nada se eu decidir ficar quieto, se conseguir alguma coisa dou-te um terço e sabes que pelo menos não te engano, um terço comigo é um terço… - Olhou para mim e riu-se, escusava de o ter feito, meteu a mão no bolso, tirou uns pedaços de papel e deu-me um deles, com um piparote na beata jogou-a para um canteiro e virou-me as costas, após ter andado alguns passos disse – Depois dá noticias, eu telefono para saber novidades.

Fiquei ali ainda um bocado a tentar apenas respirar, sem saber o que fazer, tirei a carteira para guardar o pedaço de papel e reparei na embalagem de preservativo e pela primeira vez olhei para ela e para o que dizia:

“Bar Sweetcool Nights, cortesia da casa para um final feliz”

The Corrs-Breathless

domingo, 7 de junho de 2009

O Privilégio do Disparate - Sétimo selado sem assinatura irreconhecível de amostragem comportamental ou súmula de preconceito antecipado



No fundo do meu quintal, tenho uma pedra angular não filosofal, atrás da qual se esconde uma escada que desce e desce e desce e quem a desce não fica com vontade de a voltar a subir, por isso é uma escada só de descer, ao contrário de muitas que só sobem e as inconstantes que sobem e descem como a vontade de ignorar a vida. Quando se desce essa escada chega-se a uma estação de comboios, daquelas que recordamos do tempo em que éramos crianças e os comboios eram meios de partida para qualquer lugar antecipado num sonho. Só há um destino que se pode alcançar a partir dali, um reino antigo onde não existe indiferença, nem preconceito, onde os animais não se escondem nem se comem, onde a nutrição é um processo de assimilação de ar e a moeda oficial é o sorriso e o sexo é pratica obrigatória decretado por bula real e abençoado por cardeais sem vinculo de credo.

-Pára! - Dirão os meus leitores, habituados a que os conduza nestes privilégios em direcções de graçolas camufladas em disparate, se queres ser sério, escreve uma canção de amor ou reescreve uma receita de bacalhau, não te ponhas em melancolias a contar de reinos mágicos que não nos refrescam os olhos, nem nos adiantam ou atrasam o orçamento mensal, mas eu queria hoje relembrar aquele reino onde os animais não se escondem e falam uns com os outros numa língua comum que não se consegue reproduzir com tinta nem byte. Eu ainda tenho amigos naquele reino, sem saber bem como, fiquei unha com carne de amizade com um pinguim pançudo, ave de espécie sem temor das alturas, nem problemas em arrastar o cu pelo chão que mesmo sabendo que não era particularmente atraente fez a corte à fêmea mais exuberante do baile, espécime desejado por todos, altiva de perna alta e pescoço esguio, grandes asas e um rabo de perder o tino.

Casaram. Mesmo assumindo que eram um casal improvável, ele pinguim pançudo de riso fácil e logo por isso rico, uma vez que não nos podemos esquecer que o sorriso é naquele reino a moeda oficial, ela avestruz de rabo de perder o tino, séria como uma noite de lua nova, logo sem grande poder de compra, mas bem capaz de trocar o amasso das penas por bem estar o que por ali nem sequer era mal visto. Ora então vamos lá abordar a faceta do disparate e puxar pela imaginação e visualizar a cópula na noite de núpcias entre um pinguim voluntarioso e uma avestruz fogosa, pois foi não correu muito bem, mas ele não desistiu e insistiu e ela lá foi simulando gemidos de prazer e lhe dizendo como a preenchia e ele ave jovial mas consciente da sua dimensão lá percebeu que a felicidade não se constrói acreditando em orgasmos simulados e um dia a olhar-se ao espelho tomou consciência da dimensão do seu bico e do poder que aquela língua afiada lhe dava e escusado será dizer que hoje são muito felizes e ela a fêmea mais rica do reino a desperdiçar sorrisos e não me peçam para vos descrever que filhotes saem dos ovos num cruzamento entre pinguins e avestruzes façam-no por vós, como exercício libertador do racional e do preconceito e por um momento acreditem que por aqui o sorriso também pode comprar felicidade.
Go Go's-Our lips are sealed

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Eterna efémera



Ainda me surpreende a forma simples dos momentos em que somos, surpreende-me os momentos em que sem perceber porquê conseguimos não ser.

Eu gostava de ter o poder de eternizar um instante, fechá-lo em garrafa cristalizado para todo o sempre e revivê-lo apenas num leve sacudir. Eu gostava de poder eternizar o teu sorriso, o pontinho de brilho do teu olhar, a suavidade da pele do teu ombro, uma gota do teu suor, o odor do teu intimo, as razões do teu prazer e o momento anterior ao teu suspiro. Eu gostava de poder eternizar esse instante e transportá-lo como talismã para toda a parte e reviver por um momento para sempre, aquele momento em que somos, de forma simples, num leve sacudir.

Eu gostava de ter o poder de efemerizar um instante, fechá-lo em garrafa cristalizado para todo o sempre e esquece-lo apenas num leve sacudir. Eu gostava de poder efemerizar a incerteza da tua ruga, o vazio dos teus olhos, o espaço do teu apartar, o sal das tuas lágrimas, a ausência do teu cheiro, as causas da tua tristeza e o momento anterior ao teu grito. Eu gostava de poder efemerizar esse instante e enterrá-lo como maldição em lugar incerto e esquecer aquele momento para sempre, aquele momento em que conseguimos não ser, sem perceber porquê, num leve sacudir.

A eterna certeza é efémera tanto como a efémera duvida é eterna, resta-nos tornar eterno o efémero, sem perceber porquê de forma simples, num leve sacudir.
Evanescence-Missing

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Esterilização obrigatória



Deus ordenou a Noé que construísse uma arca e escolhesse um par de animais de cada espécie para salvar do dilúvio que iria lançar sobre a terra. Assim foi transmitido ao homem Noé o poder de ser criador sobre os outros animais , seleccionador de quem podia dar continuidade à raça ou na consequência aqueles que deviam de ser extintos.

Ora se Deus legitimou o homem Noé com o poder de ser criador, de atribuir pedigree ou registos de LOP que para quem não sabe e eu agnóstico ignorante não sabia, é o Livro de Origens Portuguesas, quem seremos nós para contrariar a feitura de leis que nem deviam ser questionadas debaixo da vontade de Deus que atribuiu esse poder a Noé o ancestral, o novo pai da nossa raça, a base do nosso pedigree pois seremos todos descendentes de Noé o escolhido de Deus.

Atentemos na designação de LOP, o Livro de Origens, o livro de génesis dos criadores e na profundidade do seu significado, saber da origem abre possibilidade à procriação e é bom sabermos que todos nós homens estamos salvos da esterilização obrigatória porque temos pedigree, somos todos descendentes de Noé escolhido por Deus, o primeiro criador autorizado por Deus, o nosso livro de origens é o génesis de todos os livros e foi financiado por Deus que mandatou Noé o primeiro criador que estabeleceu no seu livro de origens a base genealógica de todos os animais, mas se todos os animais foram extintos, salvo aqueles que o criador Noé mandatado por Deus escolheu, então todos os animais que hoje existem têm pedigree senão registado em obra dos homens com certeza registado na memória de Deus. Então e se não somos Deus como podemos escolher quem deve ser criador e se não somos Noé o escolhido por Deus que poder teremos para poder nós escolher que animais, que afinal têm pedigree aos olhos de Deus, devem ser extintos, porque a esterilização é o caminho natural para a extinção e nem Deus que escolheu Noé tem argumentos válidos para me convencer do contrário.

Concedo o privilégio de avaliar este disparate aqui:

http://esterilizacao-o.blogspot.com/

Outras vozes mais ajuizadas:

http://espacodatreta.blogspot.com/

http://forteifeio.blogspot.com/2009/05/esterilizacao-dos-seres-pensantes-nem.html
http://forteifeio.blogspot.com/2009/06/se-es-rafeiro-esconde-te.html

http://so-me-apetece-cobrir.blogspot.com/2009/05/nao-esterilizacao-dos-animais.html
http://so-me-apetece-cobrir.blogspot.com/2009/06/nao-esterilizacao-obrigatoria-dos.html
http://fadadosbosques.blogspot.com/2009/06/humildade.html

Que legitimidade tenho para falar deste assunto? A de quem dá de comer a uma dúzia de gatos e um cão e que nunca comprou um animal, sempre os salvei do abandono da rua.
The Fools-Psycho Chicken