domingo, 11 de dezembro de 2011

Algures por aqui

Sinto a falta de rabiscar qualquer coisa numa folha de papel, algumas palavras que me levem por aí, mesmo sem ideia de caminho nem objectivo nem tempo de chegar.

Há dias atarefávamo-nos para sair, estávamos atrasados e íamos finalmente para longe quando o telefone tocou. Não foi um daqueles momentos em que estamos quase prontos para saltar e algo nos interrompe e sentimos que o instante se perde e que tudo o que poderia ser se limita a ser de uma outra forma, banal, vazia, sem razão para memória, não o telefone simplesmente tocou e eu continuei atarefado para sair e tu atendeste.

Tenho a mania de sempre que estou com alguém que conversa ao telefone contar os sins e os nãos e ver quem ganha, de algum modo acho que ponho as minhas esperanças no futuro da humanidade neste jogo simples entre palavras de afirmação ou cedência e de negação ou resistência e tantas vezes lamento que aquela pessoa que acabou de desligar e volta de novo a sua atenção para mim não perceba que o meu sorriso e o meu encolher de ombros escondem decepção e que esperaria dela uma outra coisa, outra forma de estar ou outra atitude perante algo que embora não saiba o quê, imagino poder ter sido diferente.

Naquele dia, há dias, o telefone tocou e tu atendeste e não houve nem sins nem nãos, apenas um silêncio que se foi prolongando como um elástico que se estica e se estica e se estica até ao momento em que sabemos que se o continuarmos a esticar nos vai saltar ou partir em chicote nas nossas mãos e antecipamos essa dor e eu parei de estar atarefado para sair e olhei para ti e vi os teus olhos se encherem e pressenti o soluço engasgado soltar-se no ar.

Depois deixaste jorrar a tua raiva, deitaste para fora os sentimentos de injustiça e de impotência e de como somos insignificantes perante a crueza do inevitável e eu fiquei por ali sem mais importância nas tarefas e ausente em palavras de consolo e sem saber o que fazer com as mãos que se tornaram incómodos estendidos nas pontas dos braços e esperei que voltasses a ser rocha na tempestade e só depois te abracei, de novo ancorado na tua força.

Acabámos por vir finalmente para longe e estou algures por aqui com sede de palavras e de ficar ainda mais um pouco mas esta vida que se esgota e nos cobra a saudade de tantos em soluços e lágrimas também nos puxa e agora é hora de nos atarefarmos para sair e voltarmos para perto antes que fiquemos atrasados ou que o telefone toque.

Leonard Cohen - Take This Waltz

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

(A Suivre – 07)


Para ler no Prisão de Palavras

(À Suivre)

Adele - Someone like you

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

(À Suivre) - 06

O Sandocam não era um rapaz muito esperto e todos percebíamos mas ninguém se ralava com isso. No dia em que chegou ao pé de nós, afogueado de face vermelha a dizer que ele é que queria ser o Sandocam porque era muito mais alto e muito mais valente e porque tinha muito mais ar de pirata e muito mais pinta que o Rubinudo, que viera primeiro com a ideia, ninguém teve coragem de o contrariar porque sabíamos que não tinha imaginação para muitos muito mais.

Ele morava no segundo andar por cima da mercearia que além de vender fruta em caixas espalhadas pelo chão também vendia gelados e nós comparávamos a arca enorme onde estes eram guardados a uma arca de tesouro misteriosa e o Sandocam jurava que no fundo no fundo por debaixo de tudo havia um cofre cheio de dinheiro e que já tinha visto o merceeiro entrar lá dentro e depois sair com um saco carregado de moedas e que o pai lhe tinha contado que tinha a certeza que era ali que ele tinha escondido o corpo da mulher que costumava atender ao balcão e que um dia simplesmente desaparecera. O Sandocam não era um rapaz muito esperto e todos percebíamos que gostava de contar patranhas mas ninguém se ralava com isso e quase sempre lhe anuíamos porque é para tal que servem os amigos e na verdade as coisas que inventava eram pouco elaboradas, inofensivas e boas de rir mais tarde.

Nunca nenhum de nós entrou na casa do Sandocam e nunca nenhum de nós viu a sua mãe sorrir. Ela era uma mulher muito magra e pálida que vestia sempre vestidos longos escorridos no corpo que variavam de cor entre tons de cinzento, castanho e preto e raramente saía à rua sozinha. Não me lembro de nenhum pormenor da sua cara ou se tinha nariz delicado e lábios finos e olhos pequenos ou grandes e castanhos ou azulados ou se usava óculos, era como se quisesse deixar para sempre uma marca indistinta em todos aqueles por quem passava, nada mais que uma sombra vestida e escondida num camuflado urbano socialmente aceitável e discreto. O pai era exactamente o oposto. Era um homem exuberante que ocupava espaço. Não que fosse gordo ou excessivamente encorpado mas sentia-se a sua presença assim que se aproximava, se o quisesse comparar a um bicho qualquer escolheria sem hesitar um bicho pavão. Ninguém sabia o que fazia na vida mas todos achávamos que devia ser vendedor de alguma coisa e os adultos que lhe sorriam acabrunhados pela frente conjecturavam-lhe hipóteses ilícitas pelas costas. O certo é que não ostentavam nenhum sinal extraordinário de riqueza e pareciam viver como todos nós por ali remediando um dia de cada vez.

O Sandocam não era um rapaz muito esperto e todos percebíamos que somava no comportamento do dia a dia o esforço de querer ser como o pai e a natureza de ser como a mãe. Era como uma folha caída num rio perdida entre as margens que por não saber nadar se deixava ir na corrente. Tinha um medo enorme em mostrar os seus medos e muito mais medo de falhar e só a dor física o fazia chorar. Transformava a frequência das derrotas numa frequente teimosia que só ele e o pai apelidavam de carácter e força de vontade e desdobrava-se e arranhava-se e esfolava-se sempre que sentia que este raramente o observava de longe. O Sandocam não era um rapaz muito feliz e todos percebíamos mas éramos apenas miúdos e ninguém ainda se ralava com isso.

(À Suivre)

Red Hot Chili Peppers - Californication

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

(À Suivre) – 05

Nós éramos seis ou sete e às vezes nove e o que mais queríamos era um dia viver uma grande aventura. Não reparávamos muito nisso mas estávamos a crescer mais um bocadinho todos os dias num tempo em que o crescimento era ainda medido pelas bainhas das calças que todas as Mães sabiam fazer e desfazer mais um bocadinho de vez em quando entre suspiros e sorrisos e linha a condizer. Nós estávamos a crescer e aproximávamos os nossos olhos mais um bocadinho todos os dias dos olhos das nossas Mães que misturavam no brilho orgulho e mágoa porque crescíamos num tempo onde faltava liberdade e sobrava guerra e receavam a chegada de um dia em que por mais um bocadinho nos sobrasse perna e lhes faltasse tecido.

Mas nós não queríamos saber nem das incertezas nem das guerras dos crescidos e queríamos é que chegasse o dia em que iríamos viver uma grande aventura porque este era ainda o tempo em que o Mundo era uma coisa enorme com muitos cantos onde tanto nos podíamos perder como nos podiam encontrar e as estórias que nos enchiam a imaginação e atiçavam o espírito eram contadas na televisão entre meandros de cinzento e muitas sombras e os livros não tinham capas que brilhavam com várias cores mas tinham textura e cheiravam a papel.

Nós éramos seis ou sete e às vezes nove rapazes com duas mãos cheias de anos e a cabeça cheia de sonhos e o espaço que ocupava a nossa rua não chegava para a nossa ambição e todos os dias algum de nós vinha com uma ideia de ir mas invariavelmente todos os dias algum de nós vinha com uma obrigação de ficar e na falta do concreto fazíamos planos. Penso que nunca antes e jamais depois um projecto foi tanto e tão bem planeado como o nosso, nós tínhamos mapas e diagramas e listas e códigos de palavras e de gestos e papéis e tarefas e ensaiávamos cenários e contingências e sabíamos ao milímetro tudo o que tinha de ser feito e quando ser feito para ter sucesso no que iríamos fazer só nos faltava o que fazer.

Já não sei quem nem quando mas um dia alguém achou que tínhamos que ter nomes mais apropriados do que próprios, nomes de heróis destemidos e valentes e fortes e distintos e assim nasceram o Sandocam e o Capitão K e o Sportie e o Mastermainde e o Rubinudo e o Xerife e o Piloto e o meu irmão continuou a ser o puto e mesmo insistindo e esbracejando que queria ser o Bonanza, ninguém lhe ligou. Eu confesso que perdi muito tempo a pensar no assunto. Eu não queria escolher por escolher e antes pelo menos uma vez na vida reconhecido por apelido do que nunca por feito.

Eu gostava mesmo de ser criança e não tinha pressa nenhuma de crescer e aqueles foram os tempos em que podíamos ser o que escolhíamos ser, sem vergonhas nem dúvidas nem que fosse por um bocadinho todos os dias, naquela rua, naquele espaço que nos era já pequeno mas que acreditávamos poder vir a ser a entrada secreta de um outro Mundo e nós os seis ou sete e às vezes nove permutávamos de identidade ao sair de casa e éramos os nossos próprios heróis indestrutíveis à prova de esfoladelas de joelhos e arranhões e cabeças partidas, coisas que inevitavelmente aconteciam e que podiam trazer lágrimas e alguma dor mas acima de tudo currículo.

(À Suivre)

DIVA - Mariana

terça-feira, 9 de agosto de 2011

(À Suivre) – 04

Na verdade durante algum tempo senti-me mesmo enganado, defraudado, traído e embrulhado por aquela conversa de que ia ter um maninho, primeiro porque tardava a chegar e eu não conseguia entender porque tinha de vir de tão longe de outras terras nem porque é que as minhas birras de lágrima farta, berro de ficar rouco e pontapé no chão para que chegasse logo à tarde ou quando muito depois do jantar não resultavam em nada e segundo porque quando finalmente chegou não servia para brincar. Não tenho qualquer memória da chegada do meu irmão lá a casa. Sempre fui muito distraído e trancado no meu mundo e provavelmente um dia levantei os olhos do que me entretinha e reparei que havia algo diferente, algo que me tirava do centro das atenções, algo que fazia barulho e que não cheirava assim tão bem de perto e que não eu podia apertar e de preferência nem mexer e que era meio avermelhado com pouco pêlo e que por muito que eu insistisse não se podia devolver na loja nem trocar por outro bicho.

Tenho ideia que o tipo comia que se desunhava e tenho ideia que quando não estava a dormir estava a mamar e tenho ideia que não lhe podia dar batatas fritas e tenho ideia que apanhei com força nas mãos e no rabo por ter voltado a tentar quando toda a gente estava distraída mas eu era teimoso e convencido que se lhe ensinasse rapidamente a gostar do mesmo que eu gostava tudo iria melhorar na hora da refeição e que a sopa de hortaliça e as batatas cozidas com pescada, cenoura e brócolos e o pão sem manteiga nem doce de tomate seriam banidos para todo o sempre para outras casas de meninos sem irmãos. O que é certo é que mesmo sem a minha ajuda ele lá foi crescendo e um dia começou a gatinhar e noutro dia a arrastar as pernas entre a mesa e o sofá e pouco depois a andar de uma forma que me fazia rir e rir lançando o corpo para a frente e balançando as pernas para não as deixar fugir e não tardava nada já corria atrás de mim a destruir-me os brinquedos que não conseguia engolir.

Não era de todo verdade que o meu irmão fosse realmente parecido comigo como toda a gente dizia, a mim ninguém me convencia disso. Eu tinha aquela imagem de miúdo esperto e vivaço que num instante parecia estar a perceber as conversas dos adultos e no seguinte já tinha esquecido tudo e dado com a cabeça na porta porque não tinha reparado que esta estava fechada e chato de levar às lágrimas na hora de comer e de deitar e que dava voltas e voltas na cama antes de adormecer porque via em cada sombra do quarto uma colecção de coisas e outras coisas e ele era redondinho fofinho e pestanudo.

A malta da rua tinha quase toda a mesma idade mais dia menos dia, mais mês menos mês e todos eram ainda filhos únicos ou tinham irmãos mais velhos que não os queriam aturar e quando apareci pela primeira vez com o meu irmão a tiracolo balbuciando desculpas que ou o trazia comigo ou não podia vir brincar eles não foram de modas e adoptaram o puto como mascote do grupo. Para contrariar o ar convencido que o meu irmão passou a assumir desde esse dia nunca me abstive de lhe dizer que tudo teria sido diferente se algum de nós tivesse um cachorro.

(À Suivre)

Rickie Lee Jones - Chuck E's In Love

domingo, 31 de julho de 2011

(À Suivre) – 03

A vantagem de ser criança é de podermos contar as coisas mais bizarras aos adultos, aqueles que nos amam ou nos estimam ou nos têm como seus que estes sempre vão anuir a sua concordância condescendente muitas vezes sem sequer nos ouvir e se insistirmos com um: “não me estás a ligar nenhuma” ou um: “Mãe! É mesmo verdade não estou a brincar” lá nos arriscamos a uma festa no cabelo e a uma explicação mais cientifica que tratará de desmistificar o encanto da coisa misteriosa e torná-la meramente banal, segura e sem mais razões para temores. Neste caso terá sido o eco e algum vento caprichoso que trouxera a voz canora de uma casa mais distante e afinal as pessoas andam na rua tão ocupadas com os seus problemas e tão preocupadas com os problemas dos outros que já não ouvem nem os seus próprios passos quanto mais a poesia de uma música cantada algures.

Outra vantagem de ser criança é que temos sempre mais que fazer do que ficar muito tempo a matutar no mesmo e depressa troquei a minha coisa estranha por outra coisa qualquer, talvez um filme antigo de aventuras com heróis de bigode fino ou o mergulho num novo livro do Júlio Verne ou a invenção de mais um jogo que metesse caricas e buracos e o aproveitamento engenhoso de detritos para construir obstáculos e o assunto ficou esquecido até um dia porque há sempre um dia em que os assuntos esquecidos regressam mas esse dia ainda ia demorar.

Agora que penso melhor no assunto, eu ainda não deveria ter mais do que duas mãos cheias de anos ou quanto muito uma dúzia mal medida, porque naquele dia ainda andava na rua sem o meu irmão colado às canelas a chatear-me a molécula ou a imitar-me em tudo o que fazia e o meu irmão como todos os irmãos mais novos do mundo sabia bem aproveitar os caminhos de conquista que tanto me tinham custado em choro e pieguice e teimosia e castigos e ganhava por direito antecipado de irmandade os direitos que por direito eu só tinha tido já em idade avançada o que me fazia sentir que tinha desperdiçado grande parte da minha vida a lutar pela vida enquanto ele era um privilegiado matreiro a quem tudo lhe caia no colo de mão beijada ou que tinha nascido já de rabo virado para a lua em noite de lua cheia. Na verdade sem nunca o admitir amei o meu irmão desde o dia em que soube que ele estava a crescer dentro da barriga da minha Mãe.

Na prática, o meu irmão assim que começou a juntar letras e a trazer trabalhos da escola para fazer encostou a minha Mãe à parede e se eu podia ir brincar para a rua depois dos deveres porque é que ele tinha que ficar em casa? Porquê? Mas diz lá porquê? E porque sim e porque mandas não é justo! E não gostas de mim! E gostas mais do meu irmão! E se ele pode porque é que eu não posso! E eu já sou crescido! E eu porto-me bem! E eu prometo que faço tudo o que o meu irmão mandar! E eu não saio do passeio! E não sei se por cansaço ou porque já se tinha esgotado em argumentos anteriormente comigo, a minha Mãe cedia e lá vinha ele com um palmo abaixo de mim a calcorrear escada abaixo e eu aparentemente danado que nem um peru em vésperas de consoada mas na verdade feliz e contente por ter ali um seguidor devoto pronto a papaguear todos os palavrões que lhe ensinava e a admirar com brilho no olho qualquer disparate que fazia ou trambolhão que dava.

Não me lembro se contei ao meu irmão da minha coisa estranha, provavelmente devo ter contado com o cuidado de somar assombro e assombração à estória e ele deve ter escutado de boca aberta e pestana arregalada e passou a noite agitado a balbuciar temores no sono e eu de sorriso sacana nos lábios.

(À Suivre)

Queen - 'Somebody To Love'

segunda-feira, 25 de julho de 2011

(À Suivre) – 02

Virei a esquina cauteloso. Para um miúdo de treze ou catorze anos, franzino e pouco dado a bravuras solitárias a nossa rua era o nosso refúgio, o santuário onde pouco mal nos podia acontecer, éramos crias legítimas daquele ninho comunitário e sabíamos que haveria sempre alguém por ali que nos conhecia e que provavelmente até trataria na primeira pessoa os nossos pais e que numa aflição nos podia ajudar ou pelo menos seria crescido o suficientemente para dissuadir os facínoras invasores das pracetas adjacentes de nos virem aplicar uns valentes sopapos ou pontapés. Pensando bem naquela altura éramos muito territoriais.

Na maior parte das vezes para manter a integridade do território as questões mais complicadas eram resolvidas à distância com uma ou outra pedrada e sobretudo recorrendo ao insulto gritado de longe que invariavelmente era muito mais certeiro que os calhaus atirados com pouca força e convicção. O nosso reino ia desde a padaria até à outra ponta da rua onde passava o comboio embora em boa verdade se pudesse considerar a padaria como terreno neutro, uma espécie de edifício fronteiriço onde todos podiam ir para comprar carcaças e pão de quilo e de quando em vez até um bolo sem riscos de confronto. Não seria mau se todos os armistícios fossem como o nosso, escritos com farinha, ovos e açúcar.

A minha rua desembocava numa pequena praça rodeada de edifícios de dois e três pisos que tinha o chão coberto por grandes pedras ovais de muitos tamanhos e variantes cores ou tonalidades de branco e rosa. Diziam os mais velhos que antigamente existia uma fonte mesmo no centro da praça e que um dia, sem ninguém saber porquê, a água mudou de cor para um vermelho ensanguentado e nem os senhores da câmara, nem as benzas do senhor padre, nem outros rituais mais pagãos conseguiram resolver o problema e decidiu-se demolir o tanque, tapar o furo e aterrar a coisa para erigir ali uma estátua de um homem de bigode e casaca comprida que poucos sabiam quem era mas que todos conheciam como o homem de bigode e casaca comprida e assim com o tempo se rebaptizou a praça.

Não havia muita gente e talvez fosse Sábado. Tenho a convicção que todas as coisas interessantes que me aconteceram na vida aconteceram num Sábado. Por outro lado, se andava pela rua era porque não estava na escola e isso com muita pena minha só podia acontecer num Sábado ou nas férias ou num feriado ou já bem à tardinha, mas se estivesse de férias ou fosse feriado teria com absoluta certeza companhia para brincadeira e não era tardinha porque me lembro que havia muita luz que se reflectia nas janelas dando à praça um efeito flutuante como se as casas em volta se suspendessem no ar sobre uma tela invisível. Não havia muita gente e de certeza que era Sábado.

Mais ou menos a meio de um dos lados da praça ficava a minha loja favorita, uma pequena papelaria que vendia tudo e mais alguma coisa e que tinha na montra esticados de uma ponta à outra vários fios de pesca onde eram pendurados, com molas de madeira, postais e revistas e livros aos quadradinhos e tantas tantas vezes arrastei a minha mãe pela mão até ali, confiando na sua costumeira permeabilidade à minha pedinchice e de dedo estendido lá lhe implorava: “ Ò Mãe é só aquele ali que é a continuação da estória que me compraste na semana passada e a estória é tão gira e eu queria saber o que vai acontecer ao xerife e se o menino se salva, vá lá, vá lá é só este, não te peço mais nada…” e depois desfiava o rol de promessas habituais que fazia questão de cumprir pelo menos até acabar de ler o livro.

Estava embevecido a admirar a complexidade de uma capa colorida que conseguia juntar em tão pouco espaço desenhos de leões em caçada e barcos de piratas e carros de corrida e naves espaciais aos tiros umas às outras quando me pareceu ouvir cantar. Primeiro era um sussurro sem palavras e depois uma voz distinta e grossa de homem que cantava naquilo que me soava ser Francês, uma melodia melancólica de sílabas arrastadas e erres carregados. Olhei em volta e não consegui perceber de onde vinha o som que parecia ocupar toda a praça e era totalmente indiferente a todos os que passavam menos a mim. A medo perguntei a uma senhora gorda de vestido às bolinhas e chapéu de palhinha esticada e enrolada daqueles que hoje parecem estar de novo na moda se sabia quem estava a cantar e ela respondeu-me muito afogueada que eu devia estar a sonhar e que para além do grasnar dos pombos que não sabiam fazer outra coisa do que barulho e porcaria por todo o lado não se ouvia um assobio.

Saí dali a correr para a segurança da minha rua e pelo sim pelo não, não contei nada a ninguém e fui jogar ao berlinde.

(À Suivre)


Amy Winehouse - Fuck Me Pumps
(RIP)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

(À Suivre) – 01

Quando somos crianças somos pequenos e talvez por isso ou porque ainda nos falta outra perspectiva tudo nos parece grande, distante, difícil e inacessível. Do meu tempo de criança guardo poucas memórias e muitas vezes me pergunto se esta ausência de recordações não me fará falta, se não poderia eu ser outra pessoa se conseguisse recordar-me das casas onde cresci, do que gostava menos de comer, do meu primeiro choro consciente de razão ou das coisas pouco importantes que me faziam feliz.

Gostaria de me lembrar da cara do homem por detrás do balcão da mercearia onde o meu Pai comprava o café. Nem sequer tenho a certeza que fosse um homem, talvez fosse uma mulher daquelas que deixaram de sorrir um dia por qualquer razão congelando para sempre as rugas da boca e para quem os clientes eram interrupções de desgosto e incómodos mas lembro-me do cheiro forte dos grãos amontoados em pilhas castanhas e negro doirado e de grandes frascos de vidro cilíndrico tapados por rolhas achatadas e que a minha cabeça não ia acima de metade do balcão que era cinzento esverdeado ou azul muito claro e depois lembro-me do ruído e do silvo do moinho.

Quando somos crianças a memória não é uma coisa importante e talvez por isso não arrumamos os dias em gavetas, alguém com autoridade sapiente tinha que explicar aos nossos Pais que nos deviam ensinar desde logo a lembrar porque o que esquecemos nos pode vir a fazer falta e que poderíamos até ser talvez outras pessoas.

Ainda assim há coisas que me recordo tão distante como se as estivesse a ver agora ou ainda ontem como por exemplo o meu Avô que mesmo na minha falta de outra perspectiva de criança e pequeno era muito grande, grande no tamanho e na dimensão, grande na forma como me olhava e ralhava, grande na maneira como se fazia respeitável sem me fazer medo. Herdei do meu Avô os dedos compridos e os lábios grossos e talvez pouco mais, foi um homem desperdiçado pelo tempo mas que mesmo assim sabia que a vida se vive enquanto se é vivo e que fez o que pôde para a viver bem com o pouco que esta lhe deu.

Costumava andar com uma pilha de papéis no bolso da camisa, pedaços de jornal, folhas brancas e pardas, coisas com escritos e até dinheiro bem escondido no meio, nunca me lembro de o ver usar uma carteira e provavelmente andava com os bolsos cheios de moedas, mas a minha memória de criança é parca e talvez por isso recorro à imaginação para tapar tanto buraco e se calhar se me lembrasse da cor da carteira do meu Avô ou se cheirava mais intensamente a cabedal quando se molhava ou se era tão pequena que não coubessem lá todos os papéis que o meu Avô guardava no bolso da camisa, quem sabe se hoje eu não poderia ser um outro homem ou pelo menos talvez porém soubesse que queria mesmo ser alguém diferente mas sei com absoluta certeza e convicção que quereria manter por escolha os dedos esguios e os lábios cheios que dele herdei.

Na minha primeira memória desta coisa estranha, eu já era um rapazote, talvez por volta dos treze ou catorze num daqueles dias em que o destino conspira para nos deixar sozinhos na rua sem amigos para brincar ou porque está ainda muito calor ou porque há deveres ou porque não se come a sopa toda ou porque se bate na irmã mais nova com pouca força suficiente para a fazer chorar ou porque se calhar ainda vai chover e acabamos a dar pontapés nas pedras sem saber bem se vamos para casa roçar o rabo pelas cadeiras ou nos aventuramos um pouco mais abaixo à procura de outras coisas ou o suficiente para poder ter que contar à malta mais tarde que nem sonhavam o que tinham perdido.



(À Suivre)




Edith Piaf - Autumn Leaves (Les Feuilles Mortes)

sábado, 25 de junho de 2011

O Privilégio do Disparate – Um gajo à beira de um ataque de nervos num país de eleitos e deleites.

Já andava há que tempos com vontade de falar no Nobre e não calhou e agora se calhar é tarde porque parece-me que tão cedo não se vai voltar a ouvir falar dele e não será por mim que a coisa se estraga. Se não tivesse perdido a oportunidade de falar do homem sempre diria que fazem falta a Portugal homens ambiciosos que não olham a esforços para alcançarem lugares e que quando não conseguem ir pela esquerda vão pela direita e se não conseguem chegar ao primeiro lugar do pódio tentam o segundo porque não há nada mais nobre do que a nobreza de lutar pelo que se acredita. Se muitos acusaram Nobre de falta de coerência e sentido de dever para com os tantos que nele confiaram poder fazer diferença, seria de todo injusto não reconhecerem agora que Nobre se chegou à frente e fez questão de ser o primeiro Português a ser enganado por este governo.

Fiquei muito sensibilizado com a atitude do nosso novo primeiro que renunciou aos amendoins torrados com mel da classe executiva da TAP para se contentar com umas bolachinhas de água e sal da classe económica o que permite à nossa transportadora aérea poupar reguinhos de dinheiro e demonstra que conhece bem onde atacar o despesismo deste país e que se sosseguem os regrados e se acautelem os esbanjadores porque o tempo das vacas que se engordavam a pão de Ló e destilados escoceses acabou e não tarda nada o papel higiénico do palácio de São Bento passará apenas a ter folha tripla extra suave e a ser branquinho sem bonecos.

Parece que correu bem a estreia ontem da nova atracção do Funcenter do Centro Cultural Colombo onde quem passa pode agora ser surpreendido por tiroteio e balas perdidas e rixas familiares na melhor tradição étnica. Eu que já me enjoava passear por lá a ver montras e gajas agora mal posso esperar para sentir a adrenalina de andar ali atento de cabeça no ar de um lado para o outro e preparado para mergulhar para trás das floreiras ao primeiro estalido. Empreendedores que são os nossos comerciantes, não irá demorar que se possa alugar à entrada do recinto, coletes daqueles com muitas correias à prova de bala que tanto impressionam as miúdas e eu que gosto tanto de dar ideias lanço o repto para a criação de matinés de paintball com cursos acelerados de guerrilha urbana promovidos pela Bershka que assim como assim já parece ter nome de célula terrorista.

Fico triste com a tomada de posição da Guarda Nacional Republicana em proibir o passeio de ciclistas nus pela cidade de Lisboa mesmo depois da organização ter garantido que todas as bicicletas teriam selins…




Queen – Bicycle Race

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O catador de histórias - (01) Maria


Abro a porta e deixo os cães entrar, abaixo-me, solto-lhes as correias e tenho tempo de fazer uma festa no velho que me olha como sempre como se percebesse como estou e afasta-se para o seu canto atrás do miúdo que salta e esganiça-se e cheira tudo a inspeccionar que nada falta e nada mudou de sitio.
-Coitado já lhe custa subir as escadas…
Pois custa… Têm quase a mesma idade que nós o velho e sabe que está velho e está cansado e sente o meu cansaço e a mágoa da sua velhice na nossa velhice. 15 anos? Não quase 15 anos, foi no ano em que casámos, pouco depois do aniversário do António, estávamos todos na esplanada , a Ana, a Carla, o Zé e o Carlos ainda era vivo e havia ainda outra pessoa que não me consigo lembrar, nunca me consigo lembrar mas estava lá outra pessoa e houve alguém que começou a falar de filhos e o António riu-se e disse que não tínhamos tempo para isso, havia que viver e crescer e muito para fazer e outro que perguntou o que poderia ele então fazer se eu quisesse mesmo ter filhos e o António gargalhou e respondeu que me comprava um cão e comprou-me um cão.
O velho já dorme, respira pesado, vou chorar quando morrer, sei que vou chorar e sei que o António vai dizer-me para ter paciência e que a vida é mesmo assim e que um dia tudo acaba e que temos o Pop e que foi por isso que fomos buscar o Pop ao canil porque já sabíamos que um dia o dia chegaria em que o velho se iria e sei que irá buscar uma manta velha e embrulhá-lo e irá levá-lo para um sitio que nunca me dirá porque não adianta eu saber e com isso sofrer. Sei que não vai verter uma lágrima porque é forte, forte por nós dois e nem vai perceber que as minhas lágrimas são a minha força.
No principio brincávamos porque ainda não te tínhamos escolhido um nome e fazíamos piadas com os amigos que nos perguntavam como te chamavas e nós explicávamos que bastava olhar para ti e tu percebias e vinhas e que não precisavas de nome porque eras um cão sem nome porque eras mais do que um simples cão não cabias num só nome e depois eu quis dar-te um nome mas não consegui encontrar nenhum que lhe agradasse e o tempo foi passando e um dia sem darmos por isso eras o velho.
-Se não te importas vou para a cama que amanhã tenho que sair mais cedo, ainda não sei se tenho que ir ao Norte.
-Vais ao Porto?
-Não, se for, vou a Pombal, estamos a começar um trabalho e sabes como é aquela malta, se não percebem que o patrão anda por lá encostam-se.
-Vai tu andando que eu quero só acabar de ver isto.
O raio do miúdo finalmente caiu de sono, está deitado na ponta do sofá de onde te levantaste, deve gostar do teu calor, eu também me lembro de gostar do teu calor, antigamente quando o velho ainda não tinha nome tinhas calor. Levanto-me e apalpo o lugar sem tocar no cão que mesmo assim me pressente e levanta a cabeça e percebe o meu schiu e volta a dormir e apenas o sinto morno. Já dormes ou pretendes que pense que já dormes e recordo-me do tempo em que o velho ainda não tinha nome em que fazíamos amor todas as noites, agora já dormes ou pretendes que pense que já dormes para que não te peça para fazermos amor mas na realidade hoje nem me importava que não fizéssemos amor apenas que fodessemos.

The Cranberries - Analyse

domingo, 29 de maio de 2011

O catador de histórias (Prólogo)

“Sonhei que encontraria o caminho e o meu enredo algures num sonho”

Tenho as ideias amolecidas por uma mistura de preguiça e calor. A luz do dia é de um amarelo pálido e adivinho que vem aí trovoada e talvez chuva daquela que cai de repente num repente e que molha tudo sem o lavar. Não gosto desta luz nem deste calor nem do cheiro desta primavera que me parece uma estação doente ou que estou num outro lugar onde imagino haver outra luz.

Estou perdido entre um querer ir e um não saber como lá chegar e sinto a falta de vida para dar vida a outras vidas mas não posso parar se ainda não comecei a andar. Percorro as teclas com os dedos, acaricio uma a uma, tão poucas letras formam tantas palavras e tão poucas me sobram e tantas me faltam e por muito que busque e rebusque estou empastelado porque as ideias e a trovoada não chegam e o calor sufoca-me. Apetece-me despir-me de tudo e procurar uma janela de onde se possa ver o mundo e na falta desta contento-me com uma que dá para a rua, carros parados de ambos os lados, fechados da gente que os abandonou por agora formam corredores estreitos entre o asfalto e a parede forrados de pedras pequenas regulares.

Quando era pequeno procurava encontrar nas pedras da calçada padrões secretos que mais ninguém conseguia ver, códigos, cifras, mapas com indicações precisas para chegar à aventura e com habilidade à fortuna, depois com a idade deixei de olhar para o chão, acho que faz parte de crescer deixar de olhar para o chão. Acendo um cigarro. De baixo do fundo da rua vem um casal ou talvez apenas um homem e uma mulher que caminham juntos, trazem dois cães pela trela, um grande e um pequeno. De cima do topo da rua vem um rapaz que ainda não é homem mas que já deixou de ser miúdo, traz uma guitarra ou uma viola suspensa ao pescoço por uma correia. O casal passa a estrada com os cães e saem da minha vista encobertos pelas varandas, o rapaz continua a descer a rua e de vez em quando dá um acorde na guitarra ou na viola , caminha apenas com os seus acordes.

Estou de novo sozinho na minha janela de onde posso ver uma rua do mundo e tento recordar-me se o cão grande era peludo e qual era a cor dos cabelos da mulher e se o rapaz vestia calças de ganga e decido roubar a vida àquelas pessoas e chamo Maria à mulher e Tiago ao rapaz e popicorni ao cão pequeno e que os acordes são de uma música que ouvi ontem na rádio e que a letra tem significado para o que vai ainda fazer esta noite. Na falta do que me falta e da memória dos meus sonhos vou catar histórias por aqui e por ali e fazer-me ao caminho.


Keane - Somewhere Only We Know

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 14 – (Quem tem medo do lobo mau? Lobo mau? Lá-lá-lá… Quem tem medo do lobo mau?…)

Eu até percebo que quando alguém se está a afogar em merda tenha dúvidas em gritar por socorro.

Segundo o que parece o tal do FMI já cá veio passar férias um par de vezes mas eu não me lembro da cara do senhor mas parece que não é assim muito simpático e não alinha em festarolas nem jantaradas nem partidas de golfe nem idas à praia nem em gastar dinheiro em lembranças e quinquilharia e eu pergunto então o que é que cá vem fazer porque o que a gente precisa é de malta que incentive a nossa industria e o nosso comércio e o nosso turismo e pelintras pés descalços carrancudos já cá temos muitos, obrigado.

Por muito que tente não me consigo lembrar mesmo da cara do senhor e se da primeira vez eu ainda era pequenito e queria era perceber o que era isso das miúdas, da segunda até já contribuía para a riqueza nacional mas queria era perceber disso das miúdas e não liguei muito, provavelmente porque o dinheiro já me faltava tanto para as miúdas e a sua percepção e mais centavo menos centavo não se notava grande coisa.

Como não me lembro da cara do senhor imagino-o como um daqueles tipos baixinhos lingrinhas sem idade definida que cheiram a naftalina e que se não fosse pelo cheiro passariam despercebidos em qualquer lugar vestindo um fato preto ou castanho liso ou azul de riscas fininhas, meio coçado nas mangas e nos bolsos e camisa branca amarelada com o colarinho gasto e apertado num pescoço de frango do campo e gravata escura com nó impecável e sem chapéu a cobrir os cabelos pretos escorridos quase quase iguais aos do Adolfo, aquele do bigodinho.

Não será fruto do acaso que no limiar da minha imaginação, por não me lembrar da cara do senhor, visualizo o FMI como um agiota daqueles que sabemos que vivem da miséria alheia e dos pobres de espírito que não se sabem governar e gastam o que nunca virão a ter, sempre escudados por uns gorilas grandalhões mal cheirosos e sem princípios que assentam a base do seu poder na certeza que o preço de não lhes pagarmos a tempo e horas nos pode custar uma rótula partida ou uma orelha cortada e que nos conseguem obrigar a racionar no bolor do pão que comemos e considerar supérfluo tudo o que nos possa distinguir dos bichos.

Mas o que é certo é que a culpa nunca é do prestamista, ele está lá para nos desenrascar nas horas de aflição, ninguém nos obriga a procurá-lo, ninguém nos mandou não ter juízo antes e durante para não ter que sofrer depois e só há consequência do acto porque houve inconsequência no agir e na realidade a malta não aprende e eu não me lembro da cara do senhor mas sei que ostenta um sorrisinho discreto e amarelado no canto do lábio ao perceber que vamos todos de férias na Páscoa e que por estranho que possa parecer a campanha publicitária para promover empréstimos para ir ver o Rock-in-Rio ao Rio foi um sucesso sem precedentes…

António Variações - O Corpo é Que Paga

quarta-feira, 30 de março de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 13 – (Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay.”)

Ainda não percebi se o nosso ex futuro ou futuro ex primeiro-ministro vai ter direito a fundo de desemprego ou se pelo facto de se ter demitido fica desamparado. Tenho esta veia solidária que me faz sentir como minhas as dores dos outros sobretudo quando a desgraça se abate em quem está desprevenido e pouco habilitado para a suportar e ultrapassar.

Digam o que disserem e o Português gosta mesmo de dizer mesmo que não tenha nada para dizer, o homem tem mérito e há muito injusto que não o reconhece mas o certo é que poucos souberam tão habilmente bater com a porta e se porem ao fresco quando o calor apertou e ainda manter a crista encrespada para poder afirmar que só não volto para lá se não me quiserem cá e que quem vier depois só pode fazer pior porque melhor ainda está para nascer.

O que é certo e sabido é que Portugal tem carências de reconhecimento e falta de se afirmar como marca por dentro e por fora e se por cá temos tantas dúvidas do que somos e do que somos capazes de fazer por lá nem nos conhecem e tantas vezes nos confundem na cultura e na geografia. Assumindo a velha máxima que não há má publicidade, nunca ninguém como o nosso futuro ex conseguiu pôr Portugal nas bocas do mundo.

Hoje qualquer europeu sabe onde é Portugal e sabe que somos capazes de fazer tremer a Europa com a nossa capacidade de sermos incapazes de nos bastarmos e de gastar mais do que produzimos e de produzir políticos de craveira que não se deixam intimidar com a sua pequenez e nunca mas nunca aceitarão capitular e assumir que não têm futuro mesmo que o próprio País que desgovernam já não o tenha.

Daqui a uns meses parece que vai haver eleições e parece que já estamos em campanha eleitoral ou se calhar nunca se deixou de estar e eu acho que calhando era bom para o povo que se adoptassem novos métodos de escolha porque a malta está um bocado farta de ser enganada e a mim ocorreu-me que era útil alinhar os candidatos de frente e de perfil numa daquelas filas de suspeitos que se vêem nos filmes, os tais suspeitos do costume e depois cada um passava e olhava bem para eles e ponderadamente escolhia: “eu acho que aquele ali, o terceiro a contar da esquerda, com a gravata às bolinhas e sorriso de vendedor de automóveis com ar de nunca ter sido apanhado a receber uma gorjeta é capaz de ser o menos mau”.

Em bom abono da verdade nestas eleições não se devia deixar gastar um tusto aos partidos porque o dinheiro faz-nos tanta falta para outras coisas e bem vistas essas coisas até se podia fazer um sorteio ou decidir quem vai ser o próximo primeiro ministro num conjunto de jogos de aptidão daqueles que a miudagem jogava no recreio da escola quando eu era miúdo, lembro-me de alguns lixados que puxavam bem pelo corpo e pelo espírito e a final de contas pelas amostras que se perfilam na corrida não me parece que nos faça muita diferença que a coisa seja decidida ao berlinde, ao pião, à corrida de carica ou ao lá-vai-alho…

Afonsinhos do Condado – Leva-me contigo

quarta-feira, 23 de março de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 12 – (À dúzia é mais barato e ainda leva mais uma à borla porque é um rapaz simpático…)


Ainda não percebi se já toda a gente percebeu que nem todos percebem que estamos em crise. Eu não ter percebido é normal porque sou normalmente distraído já em relação aos outros já não sei bem se já não era hora de haver alguém avisado avisá-los que estamos mesmo em crise e que o dinheiro encolheu e os meses não e lá continuam com 30 ou 31 dias de calendário e que só o Fevereiro é que tem 10% de desconto em tempo se bem que no meu caso como trabalhei por dias contados bem me lixei e isso dito de uma outra forma que também acaba em i.

Ora se estamos de acordo que estamos em crise e que se calhar convinha haver cautela com supérfluos e outras coisa que até gostávamos de ter mas que se não tivermos paciência que não é por aí que o burro vai às couves ou às filhoses ou lá como se diz eu não percebo porque é que de repente se apela tanto e tão descaradamente ao consumo da coisa miúda. Bem sei que há uma guerra senhoras e senhoras, meninas e meninos entre as grandes superfícies que agora além de grandes também são médias e até pequenas mas nunca pequenitas mas a coisa já cansa, pelo menos eu canso-me que a idade também já não perdoa.

Ele é jingles e cantorias e mudanças e fusões e mais confusões de nomes e letreiros com palavrões e se há os que são verdes há outros que são vermelhões e os que puxam daqui e oferecem dali e promovem descontos imediatos ou para mais logo no talão ou no cartão e se dantes a malta era levada a invejar o vizinho por coisa grandiosa ou vistosa ou cheirosa agora vale tudo porque o que é preciso é que a malta compre e bendito seja quem postulou a propriedade comutativa da multiplicação que faz com que cem vezes uma seja quase tanto como uma vez cem.

Há que reconhecer que aqueles senhores não parvam pela inteligência e de saloia nada tem a sua esperteza porque grão a grão enche a galinha o papo e que um pouco mais que um bocadinho poucos reparam e que diabo muito mais que isso custa uma bica e um pastel de nata ou de feijão ou de outra qualquer região. Há que vender e não falta o que se venda e se não há inventa-se ou reinventa-se e o que era dantes uma coisa simples agora pode ser muito mais do que uma simples coisa bastando para isso dar-lhe mais cor mais sabor mais odor mais saber mais poder mais tempo mais portento e para isso paga-se apenas quase nada mais.

Eu compro, tu compras, ele compra e se nós compramos, vós quereis comprar e eles vendem. E é verdade que os tempos mudam e nós temos também que mudar com o tempo e nestes tempos de crise onde o desgoverno que parecia não saber ou querer governar se demitiu de vez da governação parece-me mais importante que nunca que o papel higiénico se possa comprar em cores fortes que condizem com os cortinados ou que tenha impresso motivos de design de acordo com o espírito de quem obra ou que a solvência do suporte se faça facilmente no remoinho da sanita e que seja ainda mais fofinho porque merda é o que não falta para limpar.

Mamonas assassinas - Mundo animal

segunda-feira, 14 de março de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 11 – (Se eu soubesse o que sei hoje não me tinha baldado às aulas de surf…)

Não sei se é normal mas ao ouvir e ler e ver as noticias e as imagens do tsunami no Japão, lembrei-me do Godzilla e de toda a bicharada mitológica que vinha do mar para arrasar com os pés e o bafo, tudo e todos. Não sei se é normal mas fico com a sensação que se perguntarem ao nosso povo o que é que realmente acham da situação, haverão alguns que dirão que com o mal dos outros posso eu bem ou outros mais que acharão que lá é tão longe que não deverá chegar cá e de certeza que todos com excepção pensam que aquilo foi chato mas aquela malta é eficaz, trabalhadora, prevenida, organizada e bem capaz de lidar com a coisa e que tão depressa como cedo vai estar tudo outra vez direitinho e não haverá atrasos no lançamento da Nintendo 3DS ou da Playstation 4.

Temos pois para nós que se uma tragédia tem que acontecer que aconteça a quem esteja preparado para ela e que tenha meios depois para levantar a cabeça sem nos vir incomodar muito porque isto por cá também não se pode dizer que esteja famoso. Isso não quer dizer de forma alguma que encaremos a coisa com desprezo ou que nos falte piedade, muito pelo contrário, porque se há povo capaz de sentir as chagas de outro, esse povo é o povo Português mas na nossa visão tão ocidental e ingénua admiramos e invejamos aquela gente pela sua estoicidade e espírito de sacrifício e capacidade de transformar a adversidade em terreno de sementeira.

Eu lamento este desastre e receio que as réplicas à tragédia sejam muito maiores que apenas mais tremores e que se calhar os cenários pós-apocalípticos de Akira e tantas outras histórias que li na minha juventude, podem não ser assim tão ficção como imaginava mas não deixo de comparar o que ocorreu no Japão com o que tem vindo a ocorrer em Portugal. Se num caso temos um tremor repentino que origina uma onda gigante que se abate e varre um País deixando no seu caminho um rasto de destruição, no outro temos um solavanco constante que dura há décadas e que lentamente nos tem vindo a inundar e sufocar e a afogar, no final a diferença no comparar das desgraças não deverá ser assim tão grande, é tudo uma questão de timing.

A catástrofe do Japão tem um nome, a nossa tem muitos e quase todos impunes e auto-impolutos, se num lado só há a culpa da natureza no outro só há a natureza da culpa. Depois, somos ocidentais e pouco estóicos e pobres de espírito de sacrifício e já com pouca vontade de ainda levantar a cabeça mas ainda assim barafustamos e saímos à rua uma vez de vez em quando e regressamos a casa depois para poder dizer que também lá estivemos e tentamos encontrarmo-nos nas fotos e nas imagens dos jornais com a sensação do dever cumprido e voltamos à nossa vidinha porque mal ou bem lá se vai flutuando até sermos enterrados de vez na merda.

Por muito que eu quisesse olvidar a efeméride, sou picuinhas e pequenino no pensar e não consigo deixar passar a oportunidade de me oferecer para ministrar lições de golfe a quem queira usufruir da bondade do governo , sobretudo se forem lindas e esbeltas donzelas fraquinhas no Swing.

Black Company – Não sabe nadar

domingo, 13 de março de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 10 – (Porque será que a Sra que fala no meu GPS ainda não me aceitou como amigo no FB?)

(Perguntas avulso que me foram comichando durante a semana…)


Porque é que não consigo ir à bola com aquele Sr. feio de óculos da SIC que parece que percebe tanto da dita?

Não faria sentido de uma vez por todas que um cartão de expulsão mostrado a um jogador do Benfica fosse Azul?

Porque é que as mulheres ainda precisam de um dia só para elas?

Será que o Mourinho também treina os guarda-costas?

Sempre se confirma que a Mercedes vai fabricar um Mourinhomobile?

Porque é que as mulheres ainda precisam de um dia só para elas?

Porque é que não fui convidado para a festa de lançamento de mais um período de pousio na presidência da Republica?

Será que marcaram o almoço da cerimónia de posse no navio escola Sagres para disfarçar o ar enjoado dos convidados?

Porque é que as mulheres ainda precisam de um dia só para elas?

Será que ninguém do governo se lembrou de pedir aos boys dos jobs para votar no festival da canção?

Será que o Primeiro-ministro se lembrou de votar no festival da canção?

Porque é que as mulheres ainda precisam de um dia só para elas?

O que é que falta para os alarmes que deveriam estar a soar aos ouvidos do Primeiro-ministro depois do resultado do festival da canção se tornarem ensurdecedores?

Será que o Primeiro-ministro já se lembrou de enviar um mail à amiga Merkel a avisar que vai mandar uma piada muito gira a Berlim?

Porque é que as mulheres ainda precisam de um dia só para elas?

Porque é que o Carnaval nunca mais acaba?

Porque é que acabaram com o limite de idade para entrar na geração à rasca?

Porque é que as mulheres ainda precisam de um dia só para elas?

Será que o primeiro-ministro também foi à manif. convidar a malta toda para jantar?

Porque é que as actualizações do Windows ainda não corrigiram o erro de já haver nenhum erro na frase: “Isto está tudo fodido…”

Já agora não seria tempo das mulheres não terem necessidade de um dia só para elas?

Sérgio Godinho- Só Neste País

terça-feira, 1 de março de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 09 – (Um, dois, três, respira e abre e fecha e vira, um, dois, três…)

Porque o amor não se esgota de uma semana para a outra, um dia destes alguém chegou ao pé de mim e perguntou-me se eu me achava um daqueles gajos que têm a mania que sabem coisas que os outros não sabem ou um dos outros convencidos de ponta esquerda ou direita que sobre tudo pretendem alvitrar. Eu não respondi, porque sou envergonhado e quando confrontado com estas questões tenho o defeito de começar a rodar o pé direito sobre o calcanhar e o esquerdo sobre a biqueira e a revirar as sobrancelhas enquanto perscruto o horizonte em busca de aviões da Lufthansa que são aqueles com uma cegonha na cauda laranja sobre fundo azul ou azul sobre fundo laranja, nunca sei bem…

Na realidade no que toca a conhecimentos sobre coisas e assuntos diversos e mesmo informações de outros temas ou qualquer talento inato ou adquirido, eu sou uma besta assumida e só me safo se estiver a prelectar para malta que é mais besta do que eu, situação que nunca me lembro de ter acontecido depois de já ser crescidote e me terem nascido os pelinhos entre o nariz e o queixo ou porque procurei decorar previamente o que procurei encontrar previamente na internet. Na realidade o que eu tenho mesmo jeito para fazer é papaguear de modo consentido e com sentido e consigo fazê-lo tão facilmente com palavras escritas como faladas.

Alguns dirão que poderia ter sido vendedor ou politico ou porque não um pouco dos dois e se calhar até sou ou poderei vir a ser mas a verdade é que nos dias que vão correndo a verdadeira arte de parecer saber já não é o pensamento articulado sobre tópicos mas sim conseguir escarrapachar as perguntas certas nos motores de busca da net e depois copipastar e ainda enfiar uns floreados e uns adjectivos e dar a volta às frases para lhes dar um certo ar de je ne sais quoi que não sei bem o que é mas fica sempre bem e revela elegância.

Alguém disse que a coisa mais original que hoje em dia se pode fazer é saber esconder as fontes onde ninguém as consiga encontrar e as ideias boas devem ser guardadas num buraco sem fundo da nossa cabeça de onde só possam sair para serem concretizadas com lucro e reconhecimento. Não há amigo ou amante a quem se possam confiar ideias, não há sócio ou irmão a quem se possam confiar ideias, não há mentor ou discípulo a quem se possam confiar ideias e quem o fizer pois será boa pessoa ou talvez talvez otário e muito provavelmente rico de bens do espírito e pobre do resto. No final se calhar só o pecado foi original e tudo o resto uma admirável cópia e só para provar que consigo ser mete nojo e mostrar que tenho razão, fui à net roubar uma citação de um caramelo qualquer e vou pespegá-la aqui sem medos como se fosse minha e desafio o mais pintado a contestar a originalidade do feito: “Uma boa ideia é como a chama de um fósforo, se não sabemos o que fazer com ela rapidamente apaga-se ou queima-nos os dedos.”

Bem vistas as coisas tenho ideia de já ter visto todas as palavras deste texto algures mas como ignorante que sou não faço a mínima ideia de onde e o engraçado é que não me envergonho da minha ignorância, provavelmente para não começar a fazer aquelas coisas com os pés e a procurar aviões Alemães no céu ou então porque me estou borrifando que me vejam como o burro que sou e nada como um asno para reconhecer o seu semelhante.

Maria Clementina - Vou ser alguém

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 08 – (Dá-me licença por favor? Gosto sempre de lavar as mãos depois de fazer chichi…)

Querendo dar continuidade ao tema da semana passada; fui ao cinema ver o “Discurso do Rei” que é sem qualquer dúvida uma grande lição de amor. Começa por ser uma lição de amor para quem gosta de cinema mas sobretudo para quem gosta de história e de uma boa história e podia estar aqui o dia todo e ainda entrar pela noite dentro a adjectivar o filme mas não é esse o objectivo desta lengalenga, se não tiverem nada melhor para fazer vão ver o filme e se tiverem alguma coisa melhor para fazer guardem para fazer noutro dia qualquer e vão ver o filme.

Sem querer contar de mais, este filme faz a coisa muito difícil que é contar de forma muito fácil a história de alguém que não nasceu para ser rei e de repente se vê obrigado a ser e fala de outros homens que se fizeram grandes e de homens que se tornaram pequenos e de amizades e de amores e de irresponsabilidades que alguns disfarçam de romantismo e de traumas e de tantas pequeninas coisas que merece ser visto e revisto e dissecado pelo puro prazer e deleite com que nos deixa quando o acabamos de ver.

Por coincidência neste dia em que fui ver uma historia bem contada de homens que souberam ultrapassar-se a si mesmo e encontrar o seu lugar da história como incentivadores de outros homens, líderes a seguir e exemplos para os seus, também soube mais histórias de mais homens que muito provavelmente também irão encontrar o seu lugar na história como desmotivadores de homens, lideres a perseguir e exemplos pelos seus, mas de quem nunca se farão filmes nem contarão histórias que nos deleitam e dão prazer.

Primeiro foi um Sr. Especialista demissionário que se recusa a ocultar a face e que não renega a boa tradição Portuguesa do desenrasque e que quando apertado pela necessidade de um atestado em vésperas de uma ida ao estrangeiro não hesita em passar ao lado de quem for preciso e entrar pelo gabinete a dentro da médica de serviço e exigir o tratamento privilegiado que alguém que tanto já se sacrificou pelo País tem direito. É de homem. É deste tipo de raça que o nosso povo precisa; alguém que sabe sobrepor-se à maralha e não tem medo de ser mais notícia; alguém que conhece a sua importância; alguém que sabe como resolver problemas sem olhar a sequências nem consequências.

Depois foi o primeiro deste nosso governo a nos revelar a sua astúcia e argúcia e mestria na arte da gestão de crises que não vacila em classificar de mal educado um pobre rico e por mero acaso bem sucedido empresário dos tempos das vacas gordas e destes tempos de galinhas magras quando este ousa afirmar que não vale a pena esconder o Sol com a peneira porque estamos mesmo em recessão. É de homem. É deste tipo de lideres que o nosso povo precisa; alguém capaz de nos mostrar que de nada vale o sucesso do privado se este não tem etiqueta; alguém que nos evidencia a pouca importância do conteúdo face à crueza da forma; alguém que combate as vozes dos velhos do Restelo que querem prevenir o povo de ir em frente só porque este está à beira do abismo.

Fui ver o “Discurso do Rei” que é um belíssimo filme que nos conta uma história de homens no mesmo dia em que também ouvi falar de outras histórias de homenzinhos.

Deolinda – Que Parva Que Sou

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 07 – (Não sei bem a que horas passa o autocarro, se calhar o melhor é ir de metro)


Se o amor fosse fogo que arde sem se ver seria um perigo público e proibido por muitas bulas e leis e quem ousasse amar teria à perna os bombeiros a protecção civil, a ASAE, a GNR, a PSP e meia dúzia de empresas fiscalizadoras geridas por amigos do governo.

Sou um agnóstico militante e um céptico moderado e um desconfiado por amamentação e no que toca ao amor um pouco de tudo e de nada. Já tanto se falou e escreveu e encenou e cantou sobre o amor que se torna difícil escrever qualquer novo disparate sobre o tema. Há quem diga que é causa, há quem diga que é razão e há até quem diga que é fodido e eu acho bem que seja senão não teria graça nenhuma.

Muitos são os que professam que não se consegue viver sem amor e muitos são os que professam que o verdadeiro amor é o deles, seja a um homem, a uma mulher, à imagem que vêm no espelho, ao sangue do seu sangue ou ao sangue de um Deus, à raça de um clube, à ideologia de uma politica ou a qualquer outra coisa maior ou menor. Muitos dizem-se completos na presença do seu amor e lamentam a desgraça de quem não consegue amar como eles. Muitos são os que professam que o amor não é mais que uma boa ferramenta de marketing, um produto com venda garantida, um devaneio de poeta, uma arma de controlo de massas, um sentimento inodoro, incolor, indistinto ou uma quimera que se procura de olhos abertos. Muitos dizem-se completos na abstinência do amor e lamentam a desgraça de quem não consegue deixar de o procurar como eles. Sendo um agnóstico, céptico e desconfiado não vou pelas profecias de muitos e não reconheço legitimidade a quem ousa dizer que sou infeliz por não amar o mesmo e não reconheço legitimidade a quem ousa dizer que sou infeliz por não engavetar o amor naquela gaveta, se bem que nenhuma nem ambas das ilegitimidades me tem feito mais feliz ou infeliz. Na realidade o amor não me incomoda e eu deixo-o andar por aí.

Se muito se fala de amor a medo se fala de paixão, esta um contraponto efémero do outro que se supõe eterno enquanto vai durando. A paixão está para o amor como o aquecimento de um carro está para uma lareira. Na paixão há sexo e fome e sede e vontade, no amor às vezes também. A paixão pode ser um impulso e o amor pode ser um refluxo. A paixão pode ser uma refeição ligeira ou de muitos pratos num restaurante qualquer e o amor vai-se comendo… quase sempre na mesma mesa. Há quem prefira uma boa paixão a um grande amor, eu sou agnóstico, céptico e desconfiado e vou vivendo um dia de cada vez, todos os dias.

Mler Ife Dada - L'Amour Va Bien, Merci

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 06 – (Quem tratará das cáries da Boca do Inferno?)

Eu lembro-me que quando era pequenino e traquinas fartava-me de perguntar porquê e depois fiquei grande e traquinas e não me farto de perguntar porquê. Nesta minha incerteza de crescer e saber vou inquirindo e descobrindo que este Mundo pode ser redondo e revolver-se sobre si mesmo e rodar à volta das estrelas mas há coisas que nunca mudam ou que mudam tão devagarinho que só damos pela mudança quando ela deixa de ser evidente para ser permanente.

Aqui há dias percebi de maneira dolorosa que me tinha esquecido de mais uma data. Porque é que as mulheres não conseguem perceber de uma vez por todas que os homens não são geneticamente capazes de se lembrarem de uma data? Sempre que um homem diz a uma mulher com ar convencido e sorriso farsolas : “Querida estás a ver, não me esqueci que dia é hoje!”, está a mentir! Das duas três ou alguém o lembrou ou algo o lembrou ou alguma coisa o lembrou.

Eu sou tão distraído que me esqueço de arranjar alguém ou algo ou alguma coisa que me lembre do que não me devia esquecer e depois acabo por ter que enfrentar aquele olhar, aquela ironia, aquela forma tão particular e eficaz que as mulheres têm de fazer os homens gaguejar e não saber o que fazer às mãos. Se é genético que os homens não se lembram as mulheres não se esquecem e aprenderam desde sempre a tirar partido disso.

Eu sei que é suposto os homens serem diferentes das mulheres e eu aprecio isso de várias curvilíneas maneiras mas há realmente coisas que podiam ter sido evitados ou como se dizia no meu tempo de juventude: “Não havia necessidade…”, não havia necessidade de as mulheres terem certas capacidades que nos deixam a nós homens diminuídos pelos nossos defeitos naturais, não é justo, isto não é igualdade de géneros, é descriminação evolutiva ou divina conforme a crença e não me venham acusar de ter complexo de Calimero que eu não aceito, é uma injustiça é o que é!

Depois por coincidência ou talvez não, as mulheres inventam datas para tudo o lhes passa pela cabeça que tem que ser importante, para ela, para ele e sobretudo para eles: “Hoje faz um ano, dois meses e três dias que comemos uma fatia de bolo e bebemos uma água sem gás naquele café de esquina ao pé do banco e passou uma menina com um balão vermelho e meias às riscas laranja e verde e sorriu para nós, lembras-te querido?” Claro que não se lembra, mas se for esperto diz que sim e acrescenta: “Não eram riscas laranja eram Cor-de-Rosa!”, o que fará com que o debate se desvie para uma discussão sobre a incapacidade dele distinguir uma cor da outra, lugar de dialogo muito mais pacifico do que aquele para onde ela o queria levar quando começou a conversa.

Com certeza que aceito que há esquecimentos indesculpáveis e esses normalmente pagam-se caro, porque felizmente todas as mulheres têm o seu preço e não estou a querer ser ordinário, antes pelo contrário, quero apenas dizer que as mulheres são enormemente capazes de perdoar desde que o homem consiga perceber ou adivinhar, a forma certa de lhes pedir desculpa. Aliás se os homens fossem seres avisados, quando começam uma relação, a primeira coisa, mas mesmo a primeira coisa que deviam tentar perceber sobre ela é o que é que a consegue demover, derreter, deslocar, desmanchar, desarticular ou desencaixar das suas intenções de lhes torcer o pescoço ou deixar a pão e água a vegetar no sofá até ao final do Verão.

O que ainda não percebi é se as mulheres não preferem às vezes que os homens se esqueçam das coisas para lhes poderem mostrar que são uns vermes insensíveis que não lhes dão importância nenhuma e que não se preocupam com nada do que lhes é importante e que se calhar o melhor era que aquilo nunca tivesse acontecido porque assim ela também já não precisava de se lembrar. Entretanto com esta conversa lembrei-me que hoje me devo de ter esquecido de alguma coisa, estou lixado!


Deolinda - Um Contra O Outro

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 05 – (Tenho que começar a ter mais atenção aos prazos de validade dos iogurtes)


“Não fui eu… Nem sequer lhe mexi…” E mesmo que tenha sido ou lhe tenha mexido, ninguém viu por isso não me tentem acusar seja do que for que eu sou inocente até alguém conseguir provar o contrário.

Aqui há uns dias houve eleições e já tinha falado nisso e como previa nada se alterou e não queria voltar a falar nisso e se estou a falar nisso é porque muitos tentaram votar e não conseguiram e se não conseguiram paciência fica para a próxima que o que não faltarão são novas oportunidades de votar que é um dever cívico e uma nova oportunidade de mudar e mudar não é fácil mas necessário e importante e já se escreveram muitos livros sobre mudança e da sua necessária importância e um dia destes ainda escrevo também sobre isso mas hoje mesmo não querendo falar nisso vou falar noutra coisa.

A razão porque muitos tentaram votar e não conseguiram pode ser explicada pela necessidade que a sociedade moderna tem de evoluir para uma sociedade mais simples e justa onde os cidadãos há muito deixaram de ser apenas um número para passarem a ser muitos números que andavam dispersos por muitos cartões até que alguém se lembrou de que se calhar era giro concentrá-los todos num cartão único ou para que não viessem os humoristas fazer piadas fáceis, um cartão do cidadão com montes de electrónica e biotrónica e coisas modernas para se tratar na internet.

Poderia parecer normal ao homem simples que ao simplificar, todos os números que nos identificam passariam a ser um só, único e inequívoco, atribuído à nascença, agora e na hora da nossa morte, mas alguém muito mais evoluído que um homem simples, diria mesmo um homem complicado, achou que isso seria diminuir o cidadão na sua importância de cidadão e de contribuinte e de beneficiário e de utente e de eleitor e o cartão único ou do cidadão, por causa das graças, podia ser único mas teria que ter muitos números mas ainda assim pelos vistos não os suficientes.

A razão porque muitos tentaram votar e não conseguiram foi porque algo imprevisível aconteceu e digo imprevisível porque tudo o que corre mal neste País é mero fruto do acaso, esse malandro danado para a brincadeira que tanto riso gratuito nos tem proporcionado. Parece que era suposto informar o cidadão de algo que ele não tinha ainda sido informado mas como por acaso não foi informado, o cidadão tinha a obrigação de se informar antes para não ficar indisponibilizado de obter a informação por existirem muitos a se tentarem informar depois. Pode parecer complicado mas na verdade é simples como o que se pretende de todo o sistema.

Na realidade quem tem o direito e o dever de votar já tem o dever e o direito de saber como é que funciona este País, funciona e pronto e quando não funciona não devia surpreender ninguém porque como dizem os Americanos: “Shit Happens dude”. Não vale a pena virem os chatos do costume tentar arranjar culpados, neste nosso País não há incompetência, nunca houve, nunca haverá e até se poderia simplificar o dicionário abolindo simplesmente a palavra e se ainda não se fez não será nunca por incompetência, até porque a palavra nem existiria.

Eu que sou tão simples como o tal cartão único que só não é único por causa das graças, sinto-me orgulhoso de viver num País onde não há incompetentes, sinto-me seguro por saber que tudo funciona por defeito e senão funciona é porque já nasceu com defeito, fruto do acaso ou mesmo da sorte ou da falta dela e que mesmo quando há merda isso não significa que alguém a tenha cagado.

É bom concluir que não sou apenas um número e que continuo a ser muitos, alguns ainda um competente mistério por se revelar.


Sérgio Godinho - O Coro das Velhas

sábado, 29 de janeiro de 2011

A Chuva na prisão

Se eu pudesse postular determinava que quando chove o céu chora por alguém.

… O resto lê-se por aqui: >>.<<


Paramore: The Only Exception

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Entrapment

;D


ColdPlay – Viva la Vida

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 04 – (Não devia ter comido aquela porcaria no fim)


Se há coisa que o nosso povo gosta é de adiar problemas. Porque é que a malta se há-de chatear antes se é inevitável que se vai chatear depois e depois até pode ser que a coisa não corra tão mal quanto parecia que ia correr. Entretanto vai-se vivendo.

Aqui há uns meses quando foi necessário inventar um orçamento para 2011, os nossos sacrossantos governantes anunciaram medidas duras e que havia chegado o tempo de ter que apertar o cinto e aliviar o peso à carteira e cortar no prescindível e redefinir o imprescindível e que haveria reduções de salários e aumento de impostos e que não era possível garantir escândalos e mexericos que distraíssem o povo todos os dias mas que prometiam fazer o que pudessem. Entretanto veio o Natal e penduraram-se bolinhas nas árvores.

Chegámos a 2011 com cautelas, alguns foguetes e muita malta deixou de fumar por uns dias e começou a haver menos transito nas ruas antes do meio do mês. Eu lembro-me que quando comprei o meu primeiro carro, ainda com muito cabelo na cabeça e barba revolucionária, punha sempre quinhentos paus de gasolina e aquilo dava para o que desse e se desse para cada vez menos, paciência, porque o que sobrava na carteira não dava para mais e ainda não haviam cartões de crédito nem empréstimos para comprar bimbys. Mas parece que finalmente a enorme veia ecológica e responsabilidade civil das nossas gasolineiras e até alguma vontade de ter lucro de forma obscena teve o seu resultado na redução da marca de carbono no alcatrão das auto-estradas.

Penso eu que toda a gente sabe que os funcionários públicos recebem antes de toda a gente e se calhar nem toda a gente sabe porquê mas eu sempre achei que era para ajudar o pequeno comercio e os funcionários públicos perceberam pela primeira vez na semana passada o que é que receberam de salário e finalmente perceberam o que o desgoverno do governo implica no governo do seu próprio desgoverno.

Se há coisa que o nosso povo gosta é de adiar problemas e quando estes definitivamente aparecem de os resolver de forma simples e concisa e se lhe cortam dez porcento no salário então passam a trabalhar menos quinze porcento por conta da inflação e do aumento que mereciam e que agora nunca vão ter. Somos um povo que a faz pela calada e que se manifesta de forma silenciosa e eficaz e que faz do zelo a sua arma. Pois que se espere nas filas das repartições e nas filas dos hospitais e que se entupa ainda mais a nossa já tão fluida justiça porque ou há justiça ou comem todos e não seria justo que apenas os que vivem do estado e para o estado tivessem que pagar a crise.

Não quero de forma alguma que esta minha prosa ponha em causa o profissionalismo da nossa gente e cada qual sabe de si e que se calhar só mesmo quando se começar a morrer nos bancos de urgência dos hospitais por excesso de zelo se vai perceber que algo vai mesmo mal neste bananal e que a procissão nem chegou ao adro e que ainda não se percebeu bem o impacto dos aumentos dos impostos e que o sobreendividamento das famílias tanto é sobre por pouco como por muito e que entretanto virá outra vez o natal e a oportunidade de pendurar bolinhas na árvore.

Mas o governo cumpre as suas promessas e se temos os aumentos e as reduções também temos os entreténs com crimes e sexo e violência e relações supostamente pecaminosas que só deviam importar a quem realmente importam e ainda o tal nome da criança que ninguém percebe e que eu não percebo como foi possível registar com tanta regra e burocracia a não ser claro que se explique por ser filha de gente importante para resolver todos os problemas do País ou porque o pessoal das conservatórias tem uma forma engraçada e peculiar de protestar contra a crise.


MLER IFE DADA - Zuvi Zeva Novi

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 03 – (Não sei se fiz bem em ter vindo por aqui…)


A pedido de várias famílias, vou falar esta semana de Salazar que como alguns saberão já está morto e enterrado e o mesmo deverá acontecer com o Marquês de Pombal e provavelmente com o Dom Sebastião. Como sou um ignorante curioso fui consultar a wikipedia e descobri que a maior parte dos Portugueses já nasceu depois de Salazar ter morrido e que no caso do Marquês de Pombal e de Dom Sebastião parece-me que nem vale a pena fazer as contas.

Não consigo portanto compreender porque tantos que nunca conviveram nem privaram com tais figuras as invocam constantemente nas horas más e sobretudo naquelas horas de lamento em que o Português é tão fluente e que gosto de apelidar de “O que esta malta e esta merda toda precisava era de um homem como aquele”.

Cronologicamente falando o povo ainda espera que Dom Sebastião regresse numa manhã de nevoeiro e conduza o País à glória e o que eu ainda não percebi é se se espera que o Rei tenha estado num limbo temporal ou congelado num cilindro extraterrestre e regresse fresquinho nos seus 24 anos ou se pelo contrário com a experiência dos seus 457 aninhos. Será que regressa montado no seu cavalo branco ou mais moderno empinado numa daquelas coisas de duas rodas que ainda um dia tenho que experimentar? Eu como sou um gajo desconfiado não me fio num tipo de 24 anos que não tem perfil no facebook e muito menos num geriátrico que não se deverá conseguir mexer sem a ajuda de cordéis e drogas duras, isto já para não falar na questão dos cheiros esquisitos.

Poucos saberão que o Marquês de Pombal também era Sebastião de seu nome ou se calhar era eu o único que não sabia, mas todos sabem que é na sua praça que se festejam coisas importantes como as vitórias nos campeonatos da bola ou do berlinde e as vitórias nas eleições dos partidos ou dos Presidentes ou das coisas e as vitórias no que for que valha a pena festejar até cair de bêbedo e que a rotunda é lixada de se fazer e que obriga a olho atento para evitar bate-chapa e outros mimos. Ora parece que o Marquês gostava de reformas e de que se fizessem coisas e não olhava a meios para atingir os fins e cá para mim os primeiros que o invocam seriam os primeiros a queixar-se depois das dores nos calos.

Deus, Pátria e Família sempre necessariamente por essa ordem para que nunca nos falte Fátima, Fado e Futebol. Eu embora faça parte daquela minoria dos Portugueses que já cá estava quando Salazar ainda cá andava, não posso dizer que vivia aterrorizado pela opressão da PIDE ou pela perspectiva da guerra ou pela ignorância do Povo, eu queria era jogar às caricas e não percebia se éramos um País atrasado algures no cú da Europa ou o melhor sitio do Mundo para levar no toutiço se não nos portássemos bem. Deus nunca me disse nada, a Pátria cada vez menos e da família nem vale a pena falar e sinto que se Salazar cá voltasse eu estava lixado escrito de uma outra forma, porque acima de tudo com mais ou menos cacetada para chegar ao final do mês prezo sobretudo a liberdade de poder falar, de poder escrever estes disparates sem receio de abrir a porta quando ouço tocar à campainha.

Se consigo compreender que assim não vamos lá, não consigo perceber porque é que tanto animal deste rebanho acha que guardado por pastor de samarra pesada e crucifixo ao pescoço e armado com um cajado robusto e cães de dentes afiados, seria mais feliz. Passamos demasiado tempo a olhar para trás e a buscar ensinamentos na história sem percebermos que se calhar somos reféns dessa mesma historia e que o que nos orgulha também nos pode envergonhar e que para colher é preciso semear e que para semear é preciso rasgar primeiro a terra e que água parada tende a cheirar mal e que tanto disparate se pode dizer acerca de tudo que no final todos podemos parecer génios ou tontos.

A minha geração é uma geração entalada em múltiplos sentidos mas sobre isso se me apetecer falo para a semana e se não me apetecer não falo e essa liberdade nenhum morto me pode tirar.


Heróis do mar - Brava dança dos heróis

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 02 – (Será que apaguei a luz da casa de banho?)


Conforme prometido vou falar das eleições e do Salazar e do que mais for preciso para encher esta página de baforadas e outros cheiros. Sendo eu uma pessoa muito distraída e cuja principal fonte de informação são as conversas de hora de almoço e de café e de cruzamento no corredor a caminho de ir fazer chichi, quase que me escapava que vai haver ainda este mês eleições para Presidente da República cá na terrinha. É que o povo não fala muito nisso, vá lá saber-se porquê.

Eu confesso que não gosto do Cavaco e não tenho nada contra nem a favor do Alegre e antes de ser acusado de falta de respeito, desde já esclareço que me estou a referir aos personagens e não aos homens ou aos políticos ou aos talvez respeitáveis cidadãos ou aos notáveis membros do nosso sistema governamental e como personagens a sua semelhança coincidente com algo ou tudo isto é apenas realidade na vontade de quem me lê. Não gosto do personagem Cavaco pelas mesmas razões que a maior parte das pessoas que não gostam dele não gostam dele ou seja pela arrogância e pela pose e por ter a certeza de nunca ter dúvidas e pelo tabu dos tabus e pela enervante gestão dos timings e pela forma como come o bolo rei com as migalhas a caírem por todo o lado enquanto tenta meter mais bolo na boca ainda de boca cheia. Haverá quem não goste do Cavaco por razões mais válidas que a minha, mas eu sou um homem simples do povo e não me ralo com as questiúnculas financeiras e hipotéticas trafulhices com bancos falidos ou nacionalizados ou as duas coisas nem com o passado politico brilhante ou desastroso nem com o facto de não me lembrar de nada importante que tenha feito no seu primeiro mandato mas nem que ele nascesse duas vezes me sairia da cabeça aquela imagem do bolo rei.

Eu confesso que Alegre me é indiferente e acho que é por não conseguir compreender poesia, nunca aprendi, eu lido com as palavras de forma linear, uma a seguir à outra e não lhes consigo reconhecer o ritmo ou a música ou a tal dita poesia, palavras são palavras que podem ser sentidas mas tem que me fazer sentido e na poesia eu perco-me muitas vezes com essa falta de sentido e acho mesmo que é por isso que o Alegre me é indiferente, pela falta de sentido. Do ponto de vista particular destas eleições e olhando agora para a coisa como uma competição, acho o que mais falta ao Alegre é um adversário à altura. O povo gosta pouco de se chatear e se mexer e ir votar a favor de algo que já não acredita mas adora ir votar contra algo que ainda acredita e o azar do Alegre é que o povo, mesmo aquele que não gosta do Cavaco, não não gosta o suficiente para se chatear e se mexer em ir votar contra ele, sobretudo porque ainda por cima o Sócrates lixou o Alegre ao dar-lhe o seu apoio e isso é coisa para fazer o povo esquecer qualquer fatia de bolo rei. Completando o raciocínio faz falta a Alegre nestas eleições um adversário do calibre de Soares bem apoiado por Sócrates para que a malta se chateasse e se mexesse e fosse exercer o seu dever e prazer de votar contra, a favor de uma causa nobre.

No final acho que estas eleições não passarão de uma curta metragem com personagens irrelevantes e alguns figurantes que farão dignamente o seu papel e que esses merecem o meu respeito por serem verdadeiros homens de causas, mesmo que perdidas ou até no caso de alguns me parecerem meio alucinados mas eu gosto de gente de causas e melhor ainda se forem meio alucinados e é natural que acabe por dar o meu voto a um deles, mais que não seja para chatear, o que não me orgulha mas também não me causa embaraço. Por fim acho que ao fim de três décadas disto de eleições presidenciais estava mais que na hora de todos percebermos a mecânica da coisa e alterar o período de vigência de 5 para 10 anos o que no mínimo seria uma medida higiénica e ecológica.

Não falei do Salazar mas não faz mal porque era uma promessa em tempo de eleições sem prazo de validade nem penalidades por incumprimento.


Clã - Tira a Teima

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 01 – (Não esquecer de meter lenços de papel no bolso)


Parece que o Mundo vai acabar em 2012 e mesmo ainda não sabendo se o Mundo que acaba é o meu ou o teu, o de alguns ou o de todos nós e se isso é realmente uma coisa ruim ou apenas eutanásia e aquela coisa das baratas se safarem ou não, eu acho que isto de ir a caminho do fim do Mundo merece um registo de jornada.

Não tendo nada melhor para falar nestes primeiro dias do final do Mundo, queria falar do “Zé Maria” e da Ensitel e do Salazar e de eleições e de outras coisas importantes que me irei lembrando à medida que for escrevendo. Ora começando pelo Zé Maria, constou-me que voltou a haver outro Big Brother e quando digo constou-me não é de modo algum caganeirice ou mania de que sou melhor que os outros e não vejo essas coisas, mas, na realidade nesta altura da vida não tenho televisão. Também me constou que nesta nova incarnação do Big Brother reinventaram o “Zé Maria” e com tal sucesso que parece que até ganhou o “concurso”.

Para o Português, o “Zé Maria” era o arquétipo daquele que ninguém quer ser mas que todos acham muito bem que alguém seja e que merece por não conseguir ser outra coisa, toda a nossa simpatia e apoio e ajuda na forma de chamadas de valor acrescentado para que deixe de ser aquilo e passe a ser a outra coisa que nós até já gostaríamos de ser. Podia agora fazer a analogia do patinho feio e do cisne mas eu não gosto dos bichos, acho que fazem muita porcaria e prefiro falar antes do complexo do coitadinho.

Debaixo do complexo do coitadinho cabe toda a vontade, voluntariedade ou viscosidade que o nosso povo tem para com causas e o que nós gostamos de causas e de vestir as dores do outro não tem paralelo. Nenhum outro povo tão incapaz de agir em causa própria é tão bom em se aglutinar em causa alheia como o bom povo Português e se para ajudar na capacidade de mobilização para a festa ,o outro, for um pobre coitado ou como quem diz um coitadinho, então saímos lá de trás e levamos tudo pela frente. Por isso não me espanta que se tenha recuperado o coitadinho do “Zé Maria”, transfigurado num outro António qualquer, pastor que já guardou gado e outras bichinhas e se tenha feito repetir a alegre história para ficar a ver se a história triste depois não se repete.

Mudando completamente de assunto ou talvez não e sendo eu um crente que acha que mandar a gaja gira e abonada da recepção lidar com cobradores persistentes é mais eficaz que os assustar com a malta do armazém, temos o tal caso da Ensitel que veio demonstrar que as redes sociais são um meio poderosíssimo de chamar o Povo às causas e de como gerir crises de cabeça no ar e mão no peito pode ser tão desastroso como tentar pedir a uma manada de bois em correria e a deitar baba pela boca para pararem lá com jeitinho. Uma vez mais temos o povo que se inflamou por combustão espontânea em defesa de alguém que poucos realmente conheciam contra os maus que todos pareciam realmente conhecer. Não pondo em causa a legitimidade da causa, acho graça que tantos estivessem dispostos a atear fogo à fogueira que iria consumir a bruxa má do Oeste sem reparar que havia muita gente agarrada àquela pira, mas a malta queria lá saber das centenas que ficariam sem emprego desde que fosse feita justiça. O que vale é que no final lá prevaleceu o bom senso de que persistir na burrice já era asneirice e que a parte ofendida era afinal realmente digna de ser defendida e não queria sangue mas apenas paz..

Com isto tudo já não me sobra espaço para falar do Salazar ou de eleições ou de me lembrar de outras coisas importantes mas fica prometido que o tentarei fazer para a semana isto se o meu mundo ou o vosso no entretanto não decidir acabar.


EZ SPECIAL - Sei Que Sabes Que Sim

sábado, 1 de janeiro de 2011

Na Aurora de um Novo Ano.


“Um dos maiores erros da humanidade é passar tanto tempo em contagens decrescentes…”

Ora cá estamos em 2011, numa nova década e já maduros de vida neste século. Impõem-se neste dia fechar balanços, tomar resoluções e por entre dentadas em uvas encarquilhadas almejar feitos e factos. No que toca a este Blog, não se pode dizer que o ano que se encerrou tenha sido prolifero e sei que tenho estado ausente e antes de mais impõe-se um agradecimento aos que por aqui foram passando e até um pedido de desculpas por essa minha ausência que realmente se acentuou nas últimas semanas. Sem promessas nem ameaças irei ser mais regular e quem quiser por cá continuar a passar será bem vindo e se não for por pérolas de sabedoria ou literárias que seja por graça ou por amizade.

Ora cá estamos no Ano de 2011, que será sem dúvida um Ano difícil, um ano que se inicia com certezas de incerteza e que recomendo se gaste calmamente com a confiança que outros melhores ainda virão. No que me diz respeito e tendo sido 2010 um ano de transição, não me fiz novas promessas nem enviei às estrelas ou outros rebentamentos piscantes, desejos de coisas ou outras loisas, apenas vou procurar ser feliz e quando digo feliz não estou a falar daquela felicidade bacoca de superficialidade de falsas aparências que algumas pessoas acham que têm que continuamente anunciar ao Mundo, não, estou a falar da felicidade que se consegue na realização pessoal e no convívio com amigos e na partilha de pele com amantes.

Neste Ano de 2011 congratulo-me pelos que estão, Bem Hajam!

Desejo a todos que neste novo ciclo, nesta nova contagem nos consigamos melhorar.


The Cure - Lullaby