segunda-feira, 8 de novembro de 2010

:D


Não deixa de ser hilariante assistir a alguém que está enfiado na merda até aos cabelos pôr-se de boca aberta a tentar cantar a Marselhesa…


Django Reinhardt & Le Quintette du Hot Club de France with Stéphane Grappelli - Echoes of France (La Marseillaise)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Diário de um louco impoluto – Dia 25


Sinto que os meus dias se transformam com demasiada facilidade em semanas e depois em meses e ainda em anos. Passo demasiado tempo a ver o tempo passar e tenho falta desse tempo que me passa. Por muito que me esforce não consigo fazer parar o relógio, parar a contagem dos números que se sucedem, 1, 2 , 3, 60 e mais 1 e mais 2 e mais e mais. Não me sinto velho por ver o tempo passar mas sinto-me com menos tempo, apenas menos tempo para fazer tudo o que queria ainda fazer.

Tenho inveja daqueles que conseguem transformar o tempo em fatias de oportunidade para fazer o que decidem fazer, tenho inveja dos que não dão tempo à preguiça e ao ócio e à doçura de deixar a água escorrer por entre os dedos enquanto miram as rugas da cara no espelho. Tenho inveja daqueles que organizam a vida em momentos de fazer isto e aquilo e que não cedem à tentação de não fazer ou de fazer outra coisa qualquer. Tenho inveja dos que já fizeram e ainda tem tempo para fazer o que ainda não fiz e que já penso não ter tempo para fazer.

Amanheço com certezas de vontade e adormeço com vontade de certezas e no entretanto vou-me indo sem me ir ainda com a desculpa de que ainda há-de haver tempo para tudo e o tempo matreiro deixa-se escorregar devagarinho como uma sombra que desliza num lago pardacento ou como um fio de areia tão ínfimo que me parece apenas o dourado de um cabelo suspenso numa ampola. Já não espero que o tempo me perdoe, tenho consciência e dor da falta que ele me faz e da forma como o maltratei com a minha manha de não querer, de não me apetecer, de não saber como lhe pegar.

Eu às vezes sinto que a minha preguiça é mórbida, como um vicio que me enrola num torpor e é só mais um bocadinho que já lá vou e é só mais um bocadinho que já faço e é só mais um bocadinho que já começo e é só mais um bocadinho que já acabo e depois de repente já não há tempo para ir ou para fazer ou para começar ou para acabar, não há tempo paciência, mas soube tão bem não ir e não fazer e não ter que acabar o que não comecei e amanhã haverá outra vez tempo.

Que não me falte o tempo de não ter tempo para ter tempo de voltar a ter tempo outra vez e porque o tempo me estica e me encolhe nos maus e bons momentos e parece-me enorme enquanto me custa e ínfimo enquanto me agrada e a mim agrada-me a preguiça e custa-me a obrigação e sempre amanheço com certezas e adormeço com vontades e no entretanto escoou-se mais um fio e esgueirou-se mais uma sombra e o dourado vai ficando mais grisalho e o lago mais escuro porque o tempo teima em me querer cobrar a sua taxa que afinal pago em tempo com tempo.

Gostava que hoje fosse ainda ontem. Gostava que este frio Outonal fosse ainda uma brisa fresca de Verão. Gostava de voltar a ter aquele tempo que perdi por aqui e por ali e que perdi sem saber porquê, apenas porque sim. O tempo não espera por nós ou aprendemos a caminhar ao seu lado ou a correr atrás dele. Falta-me sobretudo tempo para transformar em palavras os meus dias que se vão passando em semanas e depois em meses e ainda em anos e mais que esse tempo que passou faltam-me as palavras que não ficaram, aquelas que deixei por escrever e as outras que perdi na memória da erosão do amanhecer. Não lamento o tempo que não tive, lamento o tempo que não fui capaz de ter e peço perdão às palavras que deixei perder, peço perdão por não lhes ter dado tempo, faltam palavras às minhas rugas, faltam palavras às minhas dores, faltam palavras aos meus júbilos, faltam palavras ao meu tempo.


Edith Piaf - Non, Je ne Regrette Rien