quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Cruzar de fronteiras


Bye bye MMIX, bem-vindo MMX…


Temos a tendência de inventar fronteiras, riscos no espaço e no tempo que atravessamos com vontade de mudança e hoje iremos cruzar mais uma. Este foi para mim um ano de grandes transformações e como em todas transformações há sempre coisas más e coisas boas. Este foi um ano de muitas velocidades, de desconstruir para construir, de fins e princípios. Fiz e desfiz, assumi o que estava mal e iniciei novos caminhos, o que será será e será consequência da minha escolha e isso deixa-me cheio porque sou hoje dono das minhas consequências.

Neste novo ano retomarei os meus escritos, sobretudo o Louco e os Privilégios do disparate aparte isso sei que as responsabilidades profissionais me irão tomar muito tempo, pelo que as deambulações pelos vossos blogs serão mais difíceis mas tentarei sempre arranjar tempo para vos visitar e deixar os meus acrescentos.

Para já tenho dois desafios para responder, por acaso da mesma pessoa que além de ser meio louca é também egocêntrica, mas como é um doce de miúda lá me convence a alinhar nestas coisas. O primeiro desafio é escrever um episódio do louco inspirado numa música que me enviou e será o dia 20 a publicar no início de Janeiro. O segundo é ser júri num concurso que aquela cabecinha estranha inventou e que desde já vos convido à participação, até porque o prémio é tentador e penso que já vos disse que a miúda é louca…

Podem saber mais no link abaixo mas não lhe digam que vão da minha parte senão ela fica convencida que me endrominou.

http://omeucarroelindo.blogspot.com/2009/12/historias-do-arco-iris.html

Para quem aqui passa pelo prazer de me ler pode contar que aqui continuarei a escrever por esse prazer e sou sincero neste desejo de que este ano que vai começar seja o melhor ano das nossas vidas!


U2-New Years Day

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O Privilégio do Disparate – (IN)Mundanismos [3] – É Natal… É Natal…


Na terra onde nasci e onde cresci e por onde fui ficando, havia um ceguinho que se profissionalizou na arte de pedir esmola, homem visionário que se antecipou no tempo e que viu antes de todo um povo que o nosso futuro estava em estender a mão. Todo o santo dia este homem, ocupava o seu local de trabalho na rua principal e oscilando o corpo numa performance muito treinada lá ia cantando a sua ladainha e recolhendo as moedinhas das boas almas ou clientes habituais que por ali iam passando. Dizem as más-línguas que quando morreu descobriram em sua casa uma pequena fortuna em dinheiro e relativamente a esse facto eu apenas comento que antes isso que a ter aplicado toda no BPN e o que me importa é que quando chegava a esta altura do ano o ceguinho mudava a sua ladainha costumeira e dizia de 10 em 10 segundos: É Natal… É Natal…

Muito se fala sobre o Natal sobretudo nesta época do Natal e muitos o exortam e outros não podem passar sem ele e também há aqueles que o odeiam e os que o usam para criticar a hipocrisia da humanidade e os outros como eu que pensaram usá-lo para se lamentar das desgraças e auto flagelar-me mas depois comi meia dúzia de navalheiras e bebi um par de coronas e para respeitar a tradição ainda uma fatia de bolo rei, na realidade comi duas e passou-me a neura. Assim este texto que era para ter começado com um chove lá fora porque o céu chora por aqueles a quem lhes falta no Natal, sobre o efeito das Coronas, que para quem não sabe é a melhor cerveja do mundo e que deve se ser bebida pela garrafa com um gomo de lima enfiado no gargalo e eu não tinha e usei limão o que não é a mesma coisa, foi transformado numa outra coisa mais alegre e aconchegante e a realidade é que chove lá fora apenas porque estamos no Inverno.

Pois é Natal. Este ano o povo na sua infinita sabedoria e naquela nossa mania de copiar tudo o que vem de Espanha decidiu abandonar o Pai Natal da Coca-Cola pendurado numa corda à janela e voltar à devoção ao Menino Jesus o que claro me alegrou bastante porque este blog estava a precisar de ser divulgado e toda a publicidade é bem vinda mesmo a má publicidade e má publicidade porque há que admitir que as imagens que se penduram por todo o lado são mesmo muito feias e que a malta se esquece que o J. Cristo era filho de gente vulgar e não da Angelina Jolie e do Brad Pitt e que a probabilidade de ter a testa enrugada e o nariz torto será grande.

Não quero ser mal interpretado e olhado com um bicho esverdeado nem visitado por fantasmas, nada tenho contra o Natal e muito me alegra a alegria dos outros e este texto apenas pretende dar algumas pistas para o desvendar do mistério do Natal que tanto inspira e faz transpirar e com sinceridade e não tendo o tempo nem a disposição de visitar todas as casas reais ou virtuais de quem gosto e a quem quero bem a desejar um bom Natal ou votos pré-formatados, venho expressar a todos aqueles que por aqui tem a coragem de passar o desejo de que este Natal vos traga por motivações positivas, negativas ou de indiferença, vontade de viver e de ser melhor, não porque é Natal mas porque descobriram que a vida vale a pena ser vivida e sempre se pode melhorar.


The Pogues and Kirsty MacColl - Fairytale of New York


(Kirsty MacColl foi morta num acidente de barco num mês de Dezembro poucos dias antes do Natal, morreu ao salvar o filho. Quem a matou foi julgado como homicida e condenado a pagar uma multa de €50… A justiça divina deveria substituir a dos homens sempre que aplicável, mas ainda não era Natal.)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Musicalidades com condimento #15

Falta-nos na vida dois botões…

Falta-nos na vida um botão de “Fast Forward” para chegar …

Falta-nos na vida um botão de “Rewind” para voltar…



Concha Buika - La Boheme

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O Privilégio do Disparate – (IN)Mundanismos [2] – Técnicas avançadas de marketing


Se perguntar a quatrocentas e vinte oito mulheres o que é que a Leopoldina e a Popota tem em comum arrisco-me a que quatrocentas e catorze me dêem respostas que vão discorrer sobre espécies animais, estatura, peso, personalidade, cor dos olhos, textura da pele, aeróbica, artes marciais, moda, roupas, sapatos, dança e outras coisas que só as mulheres poderiam discorrer, outras onze pura e simplesmente vão ignorar-me com desprezo e aquelas três a quem tive mesmo muitas dúvidas se deveria perguntar vão devolver-me a pergunta com outras perguntas a que fujo de responder porque são feias como a parte de trás de um desastre e eu sou um rapaz sério.

Se perguntar a qualquer homem, invariavelmente me dirá: “mamas!”.

Eu sou agnóstico o que quer dizer que estou pronto para acreditar desde que me mostrem, até me podem enganar com uma boa ilusão, mas estou pronto a acreditar. Muita gente que não é agnóstica como eu acredita que Deus fez o homem à sua imagem e que depois lhe sacou uma parte que não lhe fazia muita falta e fez a mulher. Ora dizem, não sou eu que digo, dizem que a mulher foi feita a partir de uma costela do homem e dizem, não sou eu digo, dizem que foi feita para que o homem não se sentisse só ou seja se quisermos ser mauzinhos e aí já serei eu a dizer, a mulher só aparece porque não havia ainda Playstations, nem Sport-tv, nem garrafas de cerveja de abertura fácil e latinhas de amendoins e cajus baratas nalguns supermercados ou seja a mulher nasce como um parque de diversões o que explica o porquê de ter mamas.

Não me perguntem porque é que os homens gostam tanto de mamas, mais ainda porque é que a maior parte dos homens gostam tanto de mamas grandes, eu por mim porque tenho a mania que sou erudito gosto de mamas com carácter ou na falta dele de mamas grandes. Não é por acaso, de modo nenhum inocente que a Pópinhas e a Leopinhas viram evidenciados aquele par de atributos que convence qualquer pai babão ou mãe que diz que é moderna de espírito aberto e um enorme sentido de humor mas que na realidade tem uma inveja do caraças, a comprar todos os brinquedos que os putos mais otários escolheram na carta que escreveram ao pai Natal ou aqueles que os mais espertos simplesmente marcaram no catálogo do hipermercado.

Quer se queira quer não se queira e eu quero, se não bastassem todos os outros argumentos as mulheres tem mamas o que é uma vantagem desleal e deveria de haver uma comissão reguladora e avaliadora que regulasse e avaliasse e não pensem que, ao contrário de tantas outras comissões, que são um peso oneroso para o erário público esta o seria porque não faltariam voluntários dispostos a acabar com esta injustiça e regular e avaliar e apalpar porque tem que haver evidentemente benefícios fiscais para fomentar o mecenato e o voluntariado.

Parem um bocadinho para pensar e meditem nas consequências que podem ocorrer se de repente todas as cadeias de lojas de brinquedos começarem a recorrer às mamas para aumentar as vendas… é que caso não se lembrem a mascote da Toys r us é uma girafa… macho… que se chama Geoffrey e assusta-me muito imaginá-la transsexuada com hormonas ou cirurgia a abanar as mamas novas em frente às criancinhas. São coisas destas que me tiram o sono…


Black Eyed Peas - My Humps

sábado, 12 de dezembro de 2009

O Privilégio do Disparate – (IN)Mundanismos [1] – O ser Português


É inevitável sou Português! Primeiro tive as minhas suspeitas quando fui confrontado a Oeste com uma imensidão de água que pelo sabor e textura me pareceu o atlântico e a Este com uma gente arrevesada que fala de uma forma tal qual a do Dartacão de modo bem audível e com a mania de que são melhores que muitos e se calhar até são mas nunca o havemos de aceitar até porque historicamente já os vencemos três vezes, tanto quanto julgo saber e a última foi com um golo do Nuno Gomes, aquele puto do Benfica de cabelo comprido e eterno ar de puto que eu até acho que ocupa sobretudo espaço, mas há muitos mais especialistas disto da bola que eu que não percebo nada disto e que dizem que é bom que ele ocupe espaço, já agora para quem não sabe ou nunca quis saber, o Benfica é um clube de bairro que cresceu um nadita e se tornou o entretêm preferido de conversa quando se quer falar de futebol ou de outra coisa qualquer e o futebol é o desporto que mais homens praticam sem nunca se terem cansado. Depois foi a língua que me fez ainda mais desconfiado, a malta à minha volta toda comunica com uma espécie de dialecto deslavado parecido com o Brasileiro e eu quando interrogado respondia e entendiam-me, está bem que nem sempre mas o que é certo é que mesmo em discordância ou ignorância havia ali qualquer coisa de muito parecido com comunicação. Por fim a forma de estar no mundo, tão nossa e só nossa que nos faz seres únicos e inequívocos.

Eu sou Português o que implica inerentemente ser um gajo porreiro. É verdade! até me pisarem os calos ou me confrontarem quando estou ao volante ou tentarem ultrapassar na bicha para meter o totoloto, sou um gajo porreiro. Isso não faz de mim manso ou mais ou menos apto para enfrentar a vida como homenzinho mas sobretudo um gajo pacholas para ter uma conversa sobre assuntos sem importância, bom para beber um copo ou dois ou uma grande bebedeira de cair de caixão à cova ou pura e simplesmente um tipo bom para ter ao lado numa hora difícil, fácil de angariar para causas que precisem de manadas ou para me esfalfar para falar Espanhol ou Inglês ou Francês ou mesmo Alemão com estranjas que vem para cá passear e não fazem o mínimo esforço para falar a nossa língua e ainda ontem pude apreciar uma que por acaso era boa como milho a pedir no self-service lechuga quando toda a gente se tirasse os olhos do rabo da miúda via que aquilo era alface e da meio ranhosa de folha velha.

Perguntem a quem quiserem e a primeira coisa que vão dizer da malta é que somos porreiros, somos e devemos ter orgulho disso, eu prefiro ser um gajo porreiro a ser cabrão ou fiho-da-puta, pelo menos numa primeira impressão, mas não pensem que para ser português basta ser porreiro, não mas ajuda muito e sobre as outras coisas que nos fazem ainda mais Portugueses voltarei a falar mais para a frente, entretanto fiquem com um conselho de um gajo porreiro, a melhor forma de ter sucesso neste nosso País é apelar ao nosso porreirismo, mas cuidado somos porreiros mas não gostamos de ser otários e aliás nunca somos otários porque esses são os estranjas que nos visitam e que mamam a lechuga ranhosa e por isso se nos quiserem encular com qualquer treta porreirista façam-no de uma forma porreira se faz favor.

Porque é natal e sou Português ou um gajo Porreiro, venha o que vier primeiro, aqui vos deixo uma musiquinha que já não ouvia há uns anitos e que alguém decidiu que era uma boa musiquinha de Natal e não vai de modas, árvore gigante a ofuscar o monumento fálico do Cutileiro, luzes acção e pimba para acompanhar o espectáculo arrefinfa-lhe com uma mariquice anti-guerra como se fosse um cântico natalício, somos ou não somos uns gajos porreiros?


Jona Lewie - Stop the Cavalry

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Ghost of Christmas past




Chingon - Malaguena Salerosa

domingo, 6 de dezembro de 2009

Musicalidades com condimento #14


Hoje sinto-me bem comigo e se calhar por isso apetece-me abrir a janela e soltar o ar que armazenei no peito nos últimos tempos.

FODA-SE!!!! Quem me conhece sabe que não é bom ter-me como inimigo.

FODA-SE!!!! Quem me conhece sabe da minha elevada inteligência selectiva e que quando me empenho e a canalizo para uma causa dificilmente me param.

FODA-SE!!!! Quem tem obrigação de me conhecer melhor sabe que a única forma de me vencer sem perder é não entrar em guerra comigo…

Esta música que escolhi é a ideal para abrir a janela e soltar o ar que armazenamos no peito por isso aqui vos desafio, ponham-na a tocar o mais alto possível e enfrentem quem merece a vossa ira e gritem comigo:

VAI PARA O CARALHO!!!!



Muse- Uprising

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 19


Acordei hoje com a memória enublada de ontem, acordei enrolado sobre o meu corpo e o dela enrolado entre os dois. Acordei de uma noite sem sonhos ou sem lembranças de ter sonhado e com a boca seca como se tivesse matado a fome com papel velho. Mexi-me na tentativa de desenrolar o meu corpo do seu sem a acordar e ouvi dos seus lábios um gemido indistinto de causa. Levantei-me e deixei-a nua sobre a cama, a pele lisa oscilava com a respiração serena e apetecia-me senti-la com as mãos ou ser mais audaz e acordá-la com um manto de beijos.

Entrei na banheira e abri a torneira sentado na borda enquanto esperava que água me aquecesse a mão perdida debaixo do fluxo que me escorria dos dedos e dos olhos que vagueavam pelas vagas dos pensamentos vazios e num momento senti o calor e estremeci de susto e de dor e de realidade. Accionei o chuveiro no botão, a água corre-me desde a base do pescoço e lentamente traz-me de volta ao mundo no mesmo fluxo que me leva as gotas por entre os dedos em direcção ao fundo, vejo ainda o fio de água e consigo descriminar cada gota no espaço até explodir numa superfície imaculada de branco a meus pés, vejo cada gota a abrir como uma flor e a cada instante sinto o tempo acelerar e retomar o seu ritmo e a água a deixar de ser um fio mágico de gotas que se abrem em flor a meus pés mas apenas um liquido quente sobre um corpo que desperta.

Sinto-lhe a respiração antes de lhe sentir o toque. Sinto o seu toque nas costas e a respiração na nuca e depois o abraço por trás com o peito que me acaricia, sinto o conforto dos seus pêlos púbicos que me roçam as nádegas e me fazem crescer de tesão e a sua mão que toma a posse do meu sexo. Volto-me e beijo-lhe os lábios enquanto a água nos cai por entre os corpos de novo enrolados. O barulho da água que cai expande-se nos ouvidos, ouço agora outra água que cai em forma de chuva sobre o metal da guarda da janela e se espalha no vidro, apetece-me abri-la e deixar que o chuveiro dos céus se junte à água quente e nos lave e nos leve de novo a um tempo mais lento.

Estamos cobertos de água e inundados pelo som da água que nos envolve e seguro-lhe o rosto com as mãos e vejo que outra água lhe sai dos olhos e pergunta-me do que me lembro da noite e eu digo-lhe que nada ou quase nada, que bebemos até o tempo parar e que acordei com a água quente que agora partilho e ela diz que me inveja porque o tempo não parou para ela e que se lembra de tudo o que me disse e tudo o que lhe disse e de tudo o que eu não a deixei dizer e de tudo o que não me deixou dizer e as lágrimas correm agora mais quentes que a água quente que chove cá dentro e mais frias que a água fria que chove lá fora e eu afogo-me perdido no meio de toda aquela água sem saber mais o que lhe dizer.

Pede-me que a deixe só, pede-me só que a deixe, pede-me que a deixe ser de novo só ela e a esperança de o tempo passar sem dor nem sentir e que não a deixe só com a esperança a sentir que vai apenas e de novo sentir a dor de estar só e lá fora a chuva não pára de cair e eu perco-me nas suas palavras de solidão e dor e abandono e desesperança e quero dizer-lhe que serei algo mais do que posso ser mas não consigo e as palavras afogam-se na garganta e lá fora a chuva não para de cair e eu afogo-me nas lágrimas que lhe escorrem nos olhos e prometo-lhe que não lhe farei promessas e afogo-me no vazio do que lhe digo e pede-me que a deixe só e eu saio para a rua e deixo que a chuva me escorra o cabelo para que me possa trazer a memória das palavras que deixei afogar.


Massive Attack – Teardrop

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Musicalidades com condimento #13


A morte leva sempre demasiado cedo os génios…

Uma sentida homenagem a duas importantes referências na minha vida:
Freddie Mercury (Stone Town, 5 de setembro de 1946 — Londres, 24 de novembro de 1991)
Jim Henson (Greenville, Mississippi, 24 de setembro de 1936 – Nova Iorque, 16 de maio de 1990).


The Muppets - Bohemian Rhapsody

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Musicalidades com condimento #12

Retorno a um tempo em que o Mundo acreditava num Mundo que podia ser melhor e em que éramos ingénuos nas nossas crenças e na nossa forma de vestir a vida…


The sugar hill gang - Rapper's delight

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 18


Estamos nus de joelhos sentados no chão. Uma garrafa que já esteve cheia no inicio da noite e apenas um copo entre os corpos nus sentados sobre os joelhos no chão. Beijo-lhe os lábios e pauso-me na humidade que lhe enche os olhos. Apenas um copo tão pequeno que se consegue ocultar na palma de uma mão. Apenas um copo agora vazio de humidade e que encho pausado nos seus olhos que me bebem de desejo e sem a deixar de olhar bebo de um trago, bebo sem o beber do engolir e retenho o liquido que me arde dentro da boca e permito que o fogo do álcool me adormeça a língua e sinto que me seca a saliva como um rio seca uma gota de chuva.

Colo os meus lábios aos seus e controlo um fio de fogo fluido que se escorre entre as bocas, o destilado ganha na transferência cambiantes adocicados pela adição do meu sabor e pauso pausado nos seus olhos para que o possa engolir e repito o beijo de fogo fluído até deixar apenas na boca aquele que sei ser o meu quinhão e engulo-o. Estamos nus de joelhos sentados no chão com os braços entrelaçados em abraço e sinto o seu peito perdido no meu e percorro-lhes as costas apenas com a suavidade das impressões dos dedos, como se maior pressão a pudesse esmagar. Beijamo-nos agora sem o fogo fluido mas com o fogo da paixão e não há tesão física entorpecida pelo efeito do álcool, apenas tesão emocional que bebemos dos lábios um do outro.

Volto a encher o copo e volto a vazá-lo de um trago e evito os seus lábios que se procuram insinuar nos meus, volto a pausar-me nos seus olhos e digo-lhe com os meus que espere, percorro com o liquido toda a boca, deixo que me expanda a carne e os sentidos, que me entonteça a língua e por fim mergulho os lábios em bico na sua boca e liberto o fogo que a faz engasgar e sinto o pulsar do seu corpo e o ar que lhe sai com aromas de inebriar e engulo o que me resta e sufoco-a com um novo beijo e acabamos a rir de lágrimas nos olhos antes do abraço doce do consolo.

Já não há liquido na garrafa e o copo já não está entre os nossos corpos nus e rolou para longe dos joelhos sentados no chão e estamos com as testas coladas e os olhos desfocados e pausados um no outro, vazios e cheios de significado as minhas mãos acariciam o seu peito e as suas acariciam-me o sexo tão adormecido como a minha língua, mas ambos sabemos que hoje o nosso sexo não terá penetração, fodemos com os sentidos ampliados ou alterados, fodemos ou amamos e neste instante não faz qualquer diferença, sentimo-nos completamente um do outro, dois corpos nus apartados por um espaço que já não existe.

Um de nós pega na garrafa e tenta encontrar um resto de bebida sacudindo-a sobre o copo que não sei como voltou a estar entre nós de joelhos sentados no chão e o outro ri-se, não sei qual de nós sacode a garrafa nem qual de nós se ri mas sei que um de nós beijou o outro com os lábios bem abertos e sem língua e lembro-me de pensar que é difícil beijar sem língua e que um bom beijo não tem sempre que ter língua. Depois olhou para a foto da criança que brincava e começou a chorar e eu quis beber as suas lágrimas como se assim conseguisse secar a sua fonte e voltar a tê-la só para mim.

Tudo se move em movimento lento mas gira em redor destes corpos que já não conseguem perceber que já não estão de joelhos sentados no chão e começamos a dizer coisas um ao outro que não queremos dizer e calamo-nos um ao outro com beijos que acabam por nos reduzir a dois corpos que respiram e que suspiram e que se adormecem nos braços um do outro com a esperança que o dia amanheça sem lembrança e sem ressaca ou pelo menos sem arrependimento.


Pink Martini- Kikuchiyo To Mohshimasu

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Musicalidades com condimento #11

Sem mais palavras …



Bodyrockers - I like the way you move

domingo, 15 de novembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 17


Hoje pela primeira vez em muito tempo não senti um sufoco sem explicação. Cantarolei uma música sem destino enquanto tomava um duche, fiz ou desfiz a barba sem desprezar a imagem reflectida no espelho e apreciei o que comi antes de acender um cigarro. Fumei sentado a olhar o fumo e a cada chupão observo o incandescer laranja de fogo que me consome um pouco mais de tempo e penso que consumi a minha vida passada como um cigarro fumado à pressa sem apreciar o seu prazer e o seu passar, apenas pelo vício e pela necessidade física de a consumir.

Não me lembro porque comecei a fumar, um dia como muitos experimentei e não me lembro porque não gostei mas sei que não gostei e por isso voltei a experimentar e não gostei um pouco menos e continuei a experimentar até deixar de não gostar. Um dia como muitos passou a fazer parte da minha rotina consumir fumo, queimar folhas secas enroladas em folhas de papel que transformo em cinza. De cada cigarro que fumo resta uma ponta alaranjada que me deverá proteger de algo que não entendo bem e um monte de cinza sem valor e o fumo que fiz passar por mim e que se dissipa deixando ainda um cheiro que não gosto.

Cada vez mais fumo de uma forma egoísta, um acto privado de satisfação de vício. Porque não gosto do cheiro que resta no ar de um cigarro consumido não entendo o acto social de fumar em grupo e fujo do fumo dos outros para me esconder no meu. Não sei se perdi amigos por fumar ou por não fumar mas fui acabando sozinho acompanhado por um cigarro e depois outro porque parece que haverá sempre mais um cigarro que se pode acender num acto antecipado de necessidade e que depois se vai diminuindo em fogo laranja incandescente até restar uma ponta alaranjada que me sobra e me falta de entendimento.

Vêm-me sempre à boca o primeiro cigarro da manhã. Faz-me tossir de forma violenta como se o meu corpo quisesse expulsar aquele veneno volátil ou dar-me um aviso que estou a persistir num erro, persisto em ignorá-lo, mergulho na crença de que evitamos a ressaca continuando a beber e que não fumo o suficiente para tornar os danos irreversíveis e que um dia irei parar e todo o mal não passará de cinza inútil de um cigarro que se consumiu num tempo que ficou para trás. Resisto a acender mais um cigarro porque o fumo irá deixar ainda um cheiro que não gosto nesta casa onde necessariamente terei que dormir esta noite e saio para a rua.

Saí para a rua e deixei de resistir e acendo mais um cigarro isolado numa esquina entre caminhos que me podem levar a uma vida de cigarros já consumidos ou a outra vida que me traga cigarros que consiga fumar sem desperdício de cinza e fumo e pontas de cor alaranjada. Estou parado numa esquina, só com o meu cigarro e sem a ouvir a primeira vez ouço-a repetir: “Dás-me lume?”. Viro-me e ela está ali na minha frente também de cigarro entre as mãos e a boca com um meio sorriso nos lábios: “Não te importas de me dar lume?”. O cabelo já não é amarelo mas feito de muitos dourados e castanhos e sorri com olhar traquinas ou travesso e sinto-me confuso porque nunca os soube distinguir nos olhos de uma mulher.

Faço brotar a chama da ponta do isqueiro que treme soprada por um vento que não consigo ver e a extingue. Volto a insistir e a chama resiste uns segundos mas não o suficiente para conseguir contaminar de fogo a ponta do cigarro e sinto que me sente a insegurança e aproxima o rosto das minhas mãos que protegem agora o fogo e reparo no fumo que se enrola por entre os dedos e sobe ao céu em espirais. Continua a sorrir enquanto dá baforadas curtas com o cigarro que mal lhe toca os lábios vermelhos que eu imagino de fogo puro e mais quentes que a chama laranja que se vai reduzindo a cinza. Continua a sorrir e toca-me o rosto e beija-me suavemente a face sussurrando um obrigado e afasta-se e eu fico ali parado a ver aquele corpo afastar-se e eu fico ali parado apenas com um isqueiro nas mãos e eu fico ali parado a sentir um odor de perfume doce que me deixa ali parado sem saber bem o que fazer e sem o saber acendo mais um cigarro.


Pink Floyd - Have a Cigar

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Musicalidades com condimento #10

Não devemos perder a vida numa oportunidade nem a oportunidade numa vida…


Pink Martini -Hey Eugene

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Noutras andanças

Um toque de génio e uma vénia de admiração: “and now for something completly different”



Monty Python - The Funniest Joke In The World

domingo, 8 de novembro de 2009

Musicalidades com condimento #9

Não bastaria sorrir…?!?



Reamonn-Tonight

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Musicalidades com condimento #8

Nem sempre os anjos têm asas brancas…


Angel Randy Crawford & Joe Sample - Angel

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Musicalidades com condimento #7

As cadelas ladram…


Rolling Stones - You Can't Always Get What You Want

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Musicalidades com condimento #6

…And so it begins…


Diana Krall, Elvis Costello & Willie Nelson - Crazy

sábado, 31 de outubro de 2009

Musicalidades com condimento #5

Rebusco memórias num tempo que ainda era feito de sonho…


Scritti Politti - The Sweetest Girl

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Musicalidades com condimento #4

Um dia este dia amanhecerá finalmente…


Sérgio Godinho - O Primeiro Dia

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Musicalidades com condimento #3

Vou-me interceptando entre as certezas e outras dúvidas…


Pablo Milanés & Simone - Yolanda

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Musicalidades com condimento #2

O silêncio sempre irá prevalecer sobre o ódio…


Uma das minhas músicas favoritas com vários sabores: Thelonious Sphere Monk – Round Midnight


Thelonious Monk Quartet


Hermeto Pascoal


Amy Winehouse


Dizzy Gillespie


Ella Fitzgerald


Miles Davis Quintet


Chick Corea


Herbie Hancock


Sarah Vaughan


Cassandra Wilson


Linda Ronstadt


Joe Jackson


Gotan Project & Chet Baker


Baden Powell

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Musicalidades com condimento #1

Às vezes sabe bem parar o tempo...

Suster a respiração...

Apenas ouvir um coração a bater...

Desejo inconscientemente que não seja o meu…



Concha Buika & Javier Limón - Volver, volver

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Até já


Quem me visita sabe que não costumo falar por aqui dos meus problemas pessoais, apenas salpico alguns textos com o meu estado de espírito do momento.

Agora cheguei a um ponto na minha vida onde tenho mesmo que me recolher para dentro de mim próprio, não para gládio de quem me quer mal, mas que se preocupe porque me estou a preparar para a enfrentar e não tenho por hábito perder batalhas sem me bater até ao limite das minhas forças.

Vou ali por umas semanas e volto já e por isso não irei publicar mais nenhum texto este mês e entregarei a gestão deste blog ao Puck que sei que irá continuar a escrever no Little Rob G e no Midsummer Night Dream, também não visitarei os vosso blogs nem vos irei comentar e peço desculpa por isso, mas prometo que porei a escrita em dia quando regressar.

Sei que tenho por aí amigos verdadeiros que ficarão preocupados quando lerem estas palavras e por isso vos deixo um abraço e um beijo e este desenho magnífico que a minha amiga Jane fez de propósito para este post:




Vasculhei a memória e encontrei uma das minhas músicas favoritas da minha juventude e que vem mesmo a jeito para dedicar à puta da minha vida.

Até já…


The Flying Lizards - Money

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Paralelos perpendiculares

Projecto intimidades em som por aqui e palavras por ali:


Holly Throsby - Now I love Someone

domingo, 11 de outubro de 2009

Flutuando por aí

Aos que me visitam ausentei-me para parte certa mas prometo voltar em breve e hoje estou assim entre mim e um mundo mais suave e sereno e abstraído da pressão do tempo e às vezes sabe bem este simples nada.


O que posso oferecer para quem perdeu tempo a aqui vir é apenas deixar um convite para dançar…



Black Eyed Peas-I gotta feeling

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O Privilégio do Disparate – décimo primeiro foi o verbo auxiliar educativo e marsupiais de saco cheio com laivos de sabedoria inodora

É nestes textos que me sinto mais à vontade, onde não preciso de pausar a escrita para escolher palavras e sigo por aí fora sem receios de que o resultado não seja o que no inicio esperava porque na realidade nada espero quando normalmente escrevo estas coisas. Hoje é uma excepção porque este privilégio tem objectivos o que é uma chatice porque não me posso perder nas palavras e por muito que me estenda, algures terei que voltar para trás e ir na direcção certa que é a resposta a um desafio da Tí Pronúncia que me fez já há algum tempo para dizer a que coisas estenderia de mão erguida um cartão vermelho.

Podia aqui falar de muita coisa que passasse por tanta coisa que vai mal neste mundo mas isso seria fora do âmbito do âmbito deste privilégio que é poder disparatar impunemente e por isso vou falar de estender cartões vermelhos a outras coisas que me irritam e que me levam a disparatar. Comecemos pela hipocrisia que me irrita solenemente e já me acusaram de ser hipócrita o que me irrita solenemente porque normalmente quem me acusa está a ser hipócrita mesmo sem o saber ou pior sabendo que o é e depois podia também falar de moralismos bacocos, detesto aquelas pessoas que se escondem atrás de figuras de barro mal pintadas e paternalismos de quem se acha sabedor da verdadeira verdade e atitudes sarcásticas que visam apenas ferir sem querer ensinar pelo caminho da ironia e de mentiras sem fins lucrativos para a comunidade e espertezas saloias que se topam até pelo cheiro e da falta de lealdade, porque a traição nunca poderá ser desculpável por razão alguma e das amizades de ocasião que para mim só fazem o ladrão e por fim dos sentimentos miseráveis que fazem o ser humano por vezes tão pequenino.

Ora contem lá se não foram dez cartões vermelhos rubros como o sangue que caracteriza a raiva e eu consigo ter raiva destas coisas porque não tenho problema em me afirmar como um bom cabrão para quem me tira do sério e sou a melhor pessoa do mundo para se ter como amigo e a pior pessoa do mundo para se ter como inimigo e a boa notícia é que por aqui na blogoesfera fiz sobretudo amigos e esses foram ficando e deixando de quando em vez uma palavra de carinho ou um abraço ou um empurrão na direcção certa.

Resta-me agradecer ainda uns prémios que alguns amigos de que falei acharam disparatadamente que este blog merecia e cá estou eu com o privilégio de lhes poder agradecer essa plena forma de amizade. E é nem um prémio nem dois mas três que tenho o privilégio de aqui expor e agradecer.

O primeiro veio da Tí Pronúncia que para quem não sabe é uma grande Mulher do norte, sabedora das coisas e uma amiga antiga por quem tenho um carinho enorme.


O segundo veio da Teresa que é alguém com quem tive o prazer de partilhar um momento que sei ter sido especial para ela e que foi o lançamento do seu livro e que passe a publicidade merece que o procurem nas bancas e se não o encontrarem sempre lhe podem pedir para vos vender um exemplar, o meu está autografado e não o cedo, é meu.


O terceiro veio de uma amiga muito especial, uma grande contadora de histórias e um poço de sabedoria diversa e uma pessoa com uma alegria de viver contagiante e a melhor das companhias para se ter num dia difícil.

Mandam as regras que agora nomeie outros blogs que mereçam os dois primeiros prémios, porque sei que o terceiro a ST gosta de ser ela a atribui-lo, mas alguns já os terão e por isso a todos os que fazem parte da minha lista de sítios por onde posso andar escolham lá um prémio que ainda não tenham e levem-no para o vosso cantinho como prova do meu carinho.




Bee Gees - I Started a Joke

domingo, 4 de outubro de 2009

Pausa para chocolate abolachado


Conforme anunciado o meu louco chegou ao fim da primeira série que teve 16 dias impolutos e 16 porque é um número divisível muitas vezes e porque me simboliza códigos tecnológicos e outras tretas do género que não tem qualquer importância mas que me dão um ar de sabedoria avulsa.

Convêm referir que estes textos são ficção, aquela ficção que eu gosto de dizer que é cozinhada e condimentada com artifícios de realidade. Nesta série introduzi 3 personagens, um homem e 2 mulheres que se irão relacionar nos textos seguintes e nada tenho previsto, a história irá desenrolar-se de acordo com o que me vier a apetecer.

Para quem não reparou estes textos tem apenas referências vagas, não existe cenário, nem idades, nem nomes e isso irá manter-se. O homem é alguém que manifesta de forma explícita o seu descontentamento e que quer ter mais do que a vida já lhe deu e acredita que isso o está a levar a um estado de loucura que o ajuda a enfrentar as suas dúvidas e das mulheres de uma apenas temos uma imagem vaga e quase nenhuma presença nesta série e da outra sabemos que se acomodou com a vida que lhe foi parca de realização e contentamento.

Os textos podem agora ser lidos em sequência e aqui vai uma ajudinha:
Dia 1 Dia 2 Dia 3 Dia 4 Dia 5 Dia 6 Dia 7 Dia 8
Dia 9 Dia 10 Dia 11 Dia 12 Dia 13 Dia 14 Dia 15 Dia 16

Gostaria de ter a vossa impressão imaginando que estão a ler as 16 primeiras páginas de um livro.

Esta pausa do meu louco irá durar um par de semanas e no entretanto vou tentar escrever uns textos que tenho adiados e alguns outros privilégios e a pedido de alguns de vós vou fazer um inquisitório e ceder às pressões do Puck, que para quem não sabe é um bicho pequenino e embirrento com quem partilho o blog e fiz um acordo com ele que passa por ele não me chatear por uns tempos e eu ajudá-lo a criar um blog só para ele fazendo publicidade no meu. Esse blog vai funcionar como uma adenda deste e contar uma história diferente, levantando um bocadinho do véu e só deixando ver o dedão do pé, o blog vai chamar-se Little Rob G e digam lá se o bicho não é invejoso?



Freddie Mercury - The Great Pretender

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 16



Senti um impulso para parar pelo caminho e entrar numa florista e comprei umas flores, sabia o que queria e escolhi rapidamente de forma simples e sem composição de ramo, apenas flores sem artifícios e puras na sua beleza de flor. Estacionei o carro, saí e toquei à campainha sem certezas de me anunciar para uma casa vazia e estranhei o alívio de ouvir a porta abrir-se. Subi os degraus em saltos longos a dois e dois e ela esperava-me ao cimo das escadas com surpresa por me ver ali, sem nada mais beijei-a carinhosamente nos lábios e entreguei-lhe as flores. Sete rosas vermelhas e um antúrio, recebeu-as nas mãos com um sorriso sincero e perguntou-me o porquê das flores.

As flores por si só porque sim e porque acreditava no prazer de eu as dar e dela as receber e aquelas porque me significavam… As sete rosas pela paixão do número e pela paixão que a ela me transportavam. Ao sétimo dia a possuíra e sete são as virtudes que devem ser recompensadas que nela reconhecia e sete são os pecados que sei ter cometido que quero que me perdoe e sete são os pontos do seu corpo que a ela me prendem, os olhos, a boca, os seios e tapou-me a boca com um beijo e mandou-me parar de dizer asneiras. Quando recuperei o ar continuei com o meu discurso e disse-lhe ainda que sete eram as cores do arco-íris que vira reflectidas nas lágrimas das suas dúvidas e que durante sete dias estaria a lua cheia pela nossa paixão no céu, voltou-me a beijar e disse-me que iria colocar as flores em água para que não morressem.

Voltou. Sentou-se a meu lado no sofá e disse-me que não teria muito tempo, tinha que ir trabalhar e que não esperava nada me ver ali e eu disse-lhe que a desejava e ela olhou-me fundo nos meu olhos e levantando-se dirigiu-se à estante e retirou uma moldura com uma foto de uma criança que sorria montada num triciclo e disse-me que aquele era o seu filho e o seu único amor e a sua única preocupação, que também me desejava mas que não queria, não podia por ele perder-se no caminho que encontrara na vida e que a mantinha fiel ao acordar e desperta ao adormecer. Quis dizer algo mas senti que o que dissesse só me afastaria e não disse nada e procurei os seus lábios que encontrei húmidos e doces e beijei-a.

Partilhámos os nossos corpos, saciamos a nossa fome de desejo e a nossa sede de paixão e senti que agora naquele instante não havia culpas nem receio de arrependimentos mas que elas viriam mais tarde e eu não queria que viessem mas não sabia como as evitar, como exorcizar as dúvidas que nos assombram quando já sofremos as partidas da vida e que papel podia ter aquela mulher no meu projecto de loucura. Interrompeu-me os pensamentos com o olhar no relógio e disse-me que tínhamos que nos vestir e que tinha mesmo que sair e ir trabalhar e perguntou-me se não devia também de estar a trabalhar e eu disse-lhe que não, que hoje não iria trabalhar e que provavelmente não voltaria ao meu emprego e limitou-se a mirar-me de uma forma inexpressiva que me gelou, porque não me condenava nem me louvava.

Na despedida perguntou-me o porquê do antúrio e eu sorri e disse-lhe que o colocasse no meio das rosas e que esperava que enquanto se mantivesse viçoso a fizesse lembrar-se de mim…


Confesso que roubei informação bibliográfica descaradamente à minha amiga Ti Pronúncia aqui mas sei que ela é uma alma generosa e não se importa…

Alannah Miles-Black Velvet

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 15



Aproximo lentamente os meus lábios dos seus. A aproximação dura o momento de uma eternidade que se estende para além da compreensão do tempo e quando o toque acontece imagino que todos os pássaros do mundo pararam de bater as asas suspensos apenas na definição de uma película fotográfica que se revela em mim. Envolvo o seu lábio inferior nos meus partilhando a dádiva de uma suave humidade e depois os meus lábios estão dentro dos seus e os seus dentro dos meus e as nossas línguas ganham vida própria numa valsa dançada sem regras. O beijo é uma onda que avança no nosso mar de desejo e que no seu espraiar nos nivela as dunas de qualquer dúvida, juntam-se na dança dois pares de mãos em carícias sobre o que ainda não é pele e ambos sentimos que queremos que seja pele e de uma forma natural estamos nus sentados sobre a cama, os troncos colados envolvidos em abraço e há apenas uma boca que entre as duas respira o mesmo ar afogado num sufoco urgente de paixão.

Olhamo-nos agora sem beijo, ambos sabemos que já não podemos parar e que seremos apenas corpos sem vontade ao sabor da vontade do tesão tenso que nos aura da pele e ela deixa-se cair puxando-me para cima de si e eu encaixo-me entre as suas coxas e procuro encontrar o caminho guiado pela sua humidade que se funde e atrai a minha e a penetração acontece sem dor e a cada milímetro que entro dentro dela sinto-me mais parte de um corpo que é agora uma extensão do meu. Ouço o seu suspiro, a brisa do seu respirar e a pressão do seu interior e oscilo suavemente os quadris no receio de entrar numa espiral sem controlo e cadencio o ritmo tentando concentrar-me apenas no prazer que lhe vejo nos olhos e sinto as suas mãos apertarem-me as nádegas que empurra com força fazendo-me entrar ainda mais no seu calor e a sua respiração acelera e foge-lhe dos lábios um misto de som significado sem significação e os olhos perdem-se e pressinto a urgência do seu orgasmo e pressiono-me até ao fim contraindo o sexo até sentir o derramar do êxtase que lhe confirmo no olhar e saboreio a acalmia que agora lhe irradia do corpo mas eu não quero parar e ela sorri e volta a puxar-me para si e incentiva-me a acelerar o ritmo, diz-me sem palavras que agora vai esperar por mim e espera e acabamos inertes esvaídos num beijo com outro sabor.

Estamos agora deitados lado a lado e falamos da inconsciência que nos tomou e sossega-me porque não corre o risco de engravidar e que está pura de doenças por castidade e eu digo-lhe o mesmo com a certeza de que não acredita nas minhas palavras e vejo que as lágrimas lhe invadem os olhos e pergunto-lhe se está arrependida e diz-me que não, que não ligue e que está feliz mas que não pode deixar de antecipar um sentimento de eminente abandono e chamo-lhe tonta e puxo-a para mim num outro beijo e no desejo de partilhar de novo o seu suor e desta vez é ela que se penetra em mim e que se cadencia nos movimentos que lhe fazem oscilar os seios que acaricio e que lhe beijo alternadamente, sou controlado pelo seu cavalgar, espectador privilegiado do acontecimento do seu prazer, demasiado excitado para a acompanhar vejo-a atingir os seus cumes uma e outra vez.

Sai de mim saciada e devora-me com um beijo, os peitos erectos que se roçam nos meus e sinto a sua mão que se aperta no meu sexo e sorri-me com um brilho traquinas no olhar e procura-me entre as pernas e toma-me na sua boca e do resto apenas me resta uma memória rendida.


Procurava a música ideal para este post, quando num comentário a minha amiga Storyteller a simpática miúda que tem um carro lindo decidiu deixar-me uns versos de uma canção do Angelo Badalamenti, ignorante e curioso e totalmente devoto à santa Laura Palmer fui à procura e foi paixão ao primeiro acorde, por favor ponham a música a tocar e releiam o texto. Não tenho palavras para te agradecer querida amiga…




Tim Booth and Angelo Badalamenti - Fall in Love With Me

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 14


Eu cheguei e ela chegou, somos folhas soltas caídas de uma árvore vulgar que se cruzam ao sabor do vento e que terminam casualmente juntas num pedaço de passeio. Olhamo-nos sem palavras e faço sentir que as desculpas são inúteis e sugiro que nos sentemos naquela mesa donde se pode ver o rio. Ambos estamos em silêncio a ver um par de gaivotas que pousam na margem e se movem no chão da mesma forma desajeitada com que agora me sei vazio de palavras.

Sinto-me um adolescente num primeiro encontro sonhando com a perspectiva de um beijo e ela percebe, sei que as mulheres tem uma enorme facilidade de perceberem estas coisas e ela puxa-me para fora do meu casulo com uma conversa casual sobre qualquer tema pouco importante e depois começamos a contar histórias da vida que já vivemos e do que nos importa e a procurar estabelecer pontes entre as nossas causalidades e a remexer nas memórias no entretanto em que não cruzo e descruzo os dedos e sorrio como um tolo.

Conta-me que sonhara um dia em ser alguém e que sabia o que queria da vida mas que foi empurrada por necessidade para trás de um balcão e depois de outro e outro até terminar rodeada de roupa alheia, conta-me que um dia engravidou depois de uma única noite em que se entregou a um homem que já não se encontrava a seu lado quando o dia amanheceu, conta-me que não teve coragem de tomar a decisão que todos lhe diziam ser a mais acertada e que os meses passaram e que uma criança nasceu e que hoje o seu pequenino grande amor está longe a crescer com familiares que nunca lhe perdoaram os pecados e conta-me que os sonhos se foram desvanecendo nas brumas do tempo e que agora já não lhe doem ao acordar nem lhe trazem mais as lágrimas para fora dos olhos nem que lhe importam realmente as razões que a prendem acordada ancorada ao tecto do quarto enquanto as horas passam e ouve a música melancólica do vizinho solitário que mora ao lado e os ruídos da dança de sexo do jovem casal mesmo por cima do seu quarto.

Conta-me que gosta de ser só porque se vai redimindo dos erros que não pode espelhar em mais ninguém senão em si própria e que a vida podia ser pior porque lhe permite sobreviver com algumas sobras de dinheiro que envia todos os meses para o filho que um dia terá uma vida diferente da sua e será o motivo do seu orgulho e acabará com o vazio que sente na alma. Conta-me que não percebe porque razão quis estar aqui comigo e porque razão me conta o que me conta e que gosta do meu sorriso e que se sentiu atraída pelo meu ar contraditório de quem anda perdido na certeza de um caminho.

Conto-lhe que sou egoísta por ter tanto do que não teve e que ainda assim não me satisfaz e do que gostava de ser diferente e das minhas ambições e do que me preparo para fazer e acabo a pedir-lhe desculpas. Peço-lhe desculpas por ela e não por mim e fico preso no seu olhar que parece não me perceber e que me manda parar de pedir desculpas e que me diz sem muitas palavras que gostava de ter a minha força ou a minha coragem ou partilhar um pouco de ambas. Estende-me a mão que escondo dentro da minha e ainda não tocámos nos pratos que se arrefecem nem nos copos que transparecem cheios de um líquido rubro de vinho escolhido ao acaso. Antecipo um beijo que irá fazer de amanhã um dia diferente e de nós a possibilidade de ser soma de partes solitárias que se encontram num rabisco disperso e equacionado na convergência das nossas vidas.


Elvis Costello-She

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 13


Apetecia-me apenas estar deitado sem motivos de barriga para cima à espera que hoje fosse amanhã. Apetecia-me não ter que estar aqui nem ali nem em lado absolutamente nenhum. Não tenho ainda a coragem de saltar dias, de dobrar o tempo de acordo com os meus apetites e matar de vez a necessidade de satisfazer as necessidades que já não me satisfazem.

Fui convidado para esperar no gabinete que é amplo e aberto à luz por muitas janelas, penso que existem dois tipos de gente que se quer mostrar importante, aquelas que nos fazem esperar em salas de sofás escolhidos com mau gosto e completos por uma mesinha baixa coberta de revistas que nos desafiam a inteligência e os outros que nos convidam a entrar no seu antro de poder. Estou de pé em frente a uma mesa em que todos os papéis estão meticulosamente ordenados e em que dois telefones não param de acender e apagar luzes e em que um conjunto de fotografias me mostra uma família sorridente e em que penso que a razão porque estão ali expostas é para que eu as veja e as inveje e que não é por acaso que as fotos estão viradas para mim e não para quem as devia amar.

Atrás um conjunto de prateleiras expõe troféus de muitas conquistas e feitos e algumas bandeiras e placas gravadas com datas e um aquário iluminado por uma luz fraca o suficiente para que se vejam os peixes de muitos tipos e tamanhos que nadam de um lado para o outro e de cima para baixo. Ponho-me a pensar se aqueles peixes têm a noção de quão limitada é a amplitude do seu mundo e o egoísmo de quem o limita. Este aquário será apenas para quem o tem um meio de sentir o seu poder sobre os peixes ou um meio de aliviar pressões pela observância da monotonia dos seus movimentos. Agora um deles avermelhado de cauda em forma de vela olha para mim de frente e abre e fecha a boca como se me perguntasse se deste lado também me reciclam o ar por bombas eléctricas ou se a temperatura que me cerca é mantida constante ou se me alimentam meticulosamente sempre à mesma hora através de um mecanismo de rodinhas e furinhos que se encadeiam.

Naquela troca de olhares entre seres confinados aos seus mundos de que lado estará o verdadeiro aquário? Quem observa quem? Os peixes são felizes porque estão livres de nadar no seu infinito finito, sem razões para se preocuparem com a qualidade da sua vida que é hoje a mesma que foi ontem e que salvo alguma falha técnica será a mesma amanhã. O peixe não pára de me olhar, sem piscar os olhos, imóvel junto ao vidro que nos separa e eu tenho vontade de mergulhar naquele seu espaço limitado de preocupações e partilhar a sua liberdade restrita. Gostaria que aquelas janelas se abrissem para um mar imenso para que os pudesse soltar num gesto revelador de inconformismo e de quebra de protocolos de racionalidade e assim assumir a loucura que anseio assumir perante quem me mantém confinado a um aquário que não me aquece nem me recicla o ar nem me alimenta nem me deixa nadar sem perceber as limitações do meu espaço.

Alguém entra e me cumprimenta e me intimida a sentar e começamos a conversar e eu dou por mim a falar de que tenho vontade de abrir janelas e voar para outros destinos ou nadar para direcções desconhecidas e sinto o incómodo do meu interlocutor que não percebe porque assobio agora a velha canção que o meu avô assobiava quando estava feliz, nem percebe porque me levanto e vou dar de comer aos peixes numa hora que não seria a hora deles comerem, nem percebe porque me rio por os ver agitados de volta dos farelos e nem percebe porque razão deixei de perceber as paredes de vidro que me rodeavam.


U2 -11 O'Clock Tick Tock

sábado, 19 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 12


Chego de saco de plástico na mão, lá dentro trago apenas uma desculpa para aqui chegar, trago algo impregnado com o meu cheiro e ainda outros cheiros que me relembram uma longa noite passada entre o fumo de muitos cigarros e o esvaziar de uma curta garrafa de ardor que serviu para me arrefecer as incertezas num momento de esquecimento forçado. Depressa percebo que não encontrarei o que aqui vinha procurar, apenas a mulher mais jovem que se agita quando me vê e começa a falar mais depressa do que eu a consigo perceber.

Conta-me que a colega não está, que teve que se ausentar por causa de um assunto de família e de doença e que tinha ficado desesperada por me ter faltado, por ter faltado ao encontro que tanto tinha antecipado e que não tinha o meu contacto para me avisar, para me explicar o que se passava e que tinha partido de coração partido. Pede-me que acredite, pede-me que lhe deixe forma de me contactar, que a colega voltará em breve. Peço que se acalme e que sim lhe deixarei o meu número e que esperarei pelo telefonema da colega e que a entendo e que o futuro é amanhã e não foi ontem. Acabo por trocar uma camisa por lavar, sebenta de incertezas e artifícios por uma promessa de um recomeço.

Saio dali a pensar nas razões que me levam a ter episódios de insegurança mesmo naquilo que nada pode ainda significar. Cruzo-me com gentes a quem avalio os pensares e o que as move e o que as apaixona e o que as faz sair de casa decididas a viver mais um dia. O telefone toca e interrompe-me os pensamentos, atendo solicito e enceno cenários de coisas que tem que acontecer porque alguém necessita que aconteçam e deixo de ser aquilo que gostaria de ser para voltar a ser aquele que esperam que eu seja e isso incomoda-me. Cada vez me incomoda mais manter uma imagem e imagino se esta multidão que me rodeia interpreta um papel principal na sua própria vida ou apenas um papel secundário redundante insignificante irrelevante.

Decido sorrir por ter vontade e por me lembrar na mulher de cabelo amarelo que me viu um dia nu e desta mulher que lava camisas e que passou a ver na vida simplicidades com outras dimensões e que me quer conhecer e o quanto isso me atrai e porque isso me atrai e o telefone toca de novo. Desta vez ouço do outro lado uma voz feminina que se interrompe para me convencer de razões, por fim acabamos por combinar um novo encontro daqui a dois dias e porque é sábado poderemos almoçar e talvez passear à beira do rio ou ir a um cinema ou o que me apetecer porque foi ela que me falhou e eu digo que não, que fez o que tinha que fazer porque a vida traz-nos outras prioridades que se nos antecipam e despedimo-nos com um beijo.

Passo agora por alguém que me estende a mão solicitando piedade, o cheiro a álcool revela-me o teor da sua fome, mas agora não me importa justificar a forma da fome se ela existe e levo a mão ao bolso e despejo na sua algumas moedas de diferentes cores e tamanhos e pergunto-lhe porquê. Olha-me de olhos perdidos e surpreende-me que compreenda a pergunta mas não lhe saem da boca respostas apenas um encolher de ombros que quer que eu entenda e eu entendo porque percebo que o que me separa daquela fome foram apenas instantes ou acasos ou medos ou falsas sensações de coragem e nunca remorsos.

Volto a vestir a mascara do lobo sobre a pele do cordeiro e entro no edifício de paredes que me apertam a vida neste sufoco sem que o grito que me quer sair da alma se faça ouvir.


The Passions - I'm in love with a German film star

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 11


Quis tirar um dia só para mim. Telefonei a dizer-lhes que não, que riscassem um daqueles dias que ainda me deviam de um ano destes passados, aqueles que acabo por me esquecer e ninguém faz por me lembrar. Meti-me no carro e procurei uma praia que por ser meio da semana ainda deveria ter areia disponível por entre corpos que se deitam e corpos que se movem e corpos que jogam jogos de bolas que voam pelo ar e chocam com outros corpos entre risos e outros protestos. Despi a roupa e simulando pudor ocultei o enfiar dos calções por trás da toalha que estendi de seguida sobre o areal depois de afastar com o pé duas ou três beatas de cigarros já ressequidas.

O mar estava calmo sem ondas coberto de reflexos de luz que pareciam nadar sem destino. Tirei da mochila um creme que iria proteger-me a pele e espalhei-o generosamente pelo corpo que alcançava e fiquei a ambicionar outras mãos mais suaves que me tocassem noutros lugares mais profundos. Sentei-me e franzi os olhos reduzindo o horizonte a tentar esconder o brilho do Sol, observei em redor, pequenas ilhas de gente, em cada uma história que se podia imaginar pela forma como se dispunham os corpos, pela forma como se olham, pela forma como se tocam ou pela forma como se ignoram.

Ali do meu lado um casal jovem, talvez ainda adolescentes, ele deitado de barriga para baixo disfarça a cobiça com que a olha, as curvas expostas ao dourar lento do Sol, os peitos espetados em desafio e um sorriso nos lábios discreto e poderoso, sem as ouvir adivinho as palavras desajeitadas do rapaz, adivinho a descrição de feitos inconsequentes e a ambição de um futuro de aventuras onde ela teria o papel principal da heroína, adivinho palavras que fazem promessas que não se podem quebrar e ela é hoje a sua musa podendo ser amanhã a sua glória. Ali mais abaixo dois homens de ar meio perdido, predadores sem dentes e bico arqueado, devoram as mulheres que passam ruminando comentários entre si como machos primários, são símbolos incompreendidos de virilidade ou fontes ignoradas de prazer, reis bastardos a quem roubaram um reino mas que ali estão prontos e aptos para a sua reconquista. Acolá uma família com filhos encontra motivos fáceis para gritar, gritam entre si, gritam para se ouvirem, gritam para expulsar frustrações e desgastes, gritam para ignorar uma falta de coragem não assumida ou simplesmente a falta de uma saída. Mais abaixo vejo dois corpos que se confundem e que me confundem não distingo na mistura das carnes o princípio de um e o fim do outro, ali não há palavras, ali não há necessidade de haver palavras. Aqui quase ao lado uma mulher só foge do mundo para dentro de um livro de capa elegante com cores de paixão. Ainda mais abaixo dois idosos molham os pés a pensar noutros tempos, aqueles em que a praia era quase só para eles e não havia esta confusão e as pessoas eram bem-educadas que se cumprimentavam e toda a gente se conhecia pelo nome.

Fui mergulhar nas águas, nadei e afastei-me da areia até me sentir de novo apenas só, nadei até as ilhas de gente serem apenas pontos indistintos, sem histórias para imaginar, naquela imensidão de mar reavaliei o meu presente e reafirmei o meu futuro e inventei-me sentado naquela praia completamente deserta olhando a areia que me escorre por entre os dedos, percebendo que cada grão é um cristal poderoso que por muito ínfimo que seja reflecte a luz e faz a praia ser dourada e que todos são diferentes e que esta praia dourada é a fronteira entre dois mundos, um que me afasta e outro que me flui e senti a atracção de me deixar levar pela maré que me podia arrastar para longe mas essa não é a minha natureza e nadei de regresso a mim.

Tenho na mala do carro uma camisa por lavar com dois dias de suor, amanhã irei resolver esse assunto…


Bruce Springsteen & Sting - The River

domingo, 13 de setembro de 2009

Incentivadores de ódio


Este meu blog é o meu blog que nunca usei para atacar ninguém e tem sido um meio de transmitir os meus sentires, realidades e ficções que querem sair da minha cabeça, apenas isso e nunca será mais que isso.

Este blog tem tido para mim o efeito secundário de me ter permitido conhecer algumas pessoas a quem não tenho nenhum problema de classificar de amigos, pessoas extraordinárias que por outro modo nunca teria conhecido e que hoje me ajudam a olhar o futuro de uma forma mais risonha, pessoas que me enriquecem com a sua forma de estar, pessoas que confiam em mim e em quem confio, pessoas que me conhecem melhor do que muitas com quem partilhei tanto tempo e que se acham no direito de me julgar e odiar.

Recebi um comentário anónimo a propósito do post:
http://littleboyj.blogspot.com/2009/09/diario-de-um-louco-impoluto-dia-10.html

“Você devia ter mais cuidado com a lingua, afinal tem telhados de vidro, seu porco é isso que quer ensinar aos seus filhos tenha vergonha, para homens como você deveria haver pena de morte.... Não apague o comentário...seu porque e ainda tem a mania que escreve bem vá tirar a 4ª classe a ver se aprende alguma coisa..”


Não sei nem quero saber quem é esta pessoa, embora me fosse muito fácil sabê-lo dada a minha profissão e os meus contactos mas sei que é alguém que não me conhece, mas que se acha no direito de me insultar, classificar e julgar e alguém a quem não vou sequer responder mas que suspeito estar a ser incentivada por ódios alheios e que os pretende propagar e por isso apenas digo, olhe-se no espelho e para seu bem e daqueles que tem que partilhar o seu mundo encontre razões para ser feliz…


Supertramp-Logical song

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O Privilégio do Disparate – décimo descendente, desviante, desinteressado, desigual e mediado por entre folhos de outros rubores.



Fasten your seat belts…

Se a vida fosse um imenso parque de diversões nasceríamos todos sem medo de andar nas montanhas russas e a fome poderia ser saciada por flocos de algodão doce de todas as cores e maçãs caramelizadas e polvo assado e farturas secas de óleo e churros recheados com muitos gostos e todos os carros podiam chocar sem risco de mossas e as guerras seriam resolvidas nas barraquinhas de tiro e os carrosséis seriam transportes de massa com cavalinhos imortais e cisnes e unicórnios e o choro proibido e a ausência de dor dispensaria os hospitais e os políticos alvos empilhados para meias enroladas e se derrubássemos cinco teríamos direito a um urso de peluche ou uma entrada na casa dos espelhos que nos mostrava a imagem que queremos ter sem convexidades nem psicoses e os loucos adorados como profetas e todos os poetas seriam cantores e o namoro uma ciência com cátedra de múltiplas vertentes práticas e a reprodução um acto divino e o sexo apenas sexo e sempre acompanhado de música ambiente e nos cinemas só se podia entrar despido de preconceitos e sair vestido de riso e não se envelhecia apenas se crescia em experiência e a palavra felicidade decretada como banida por redundância de sentido.

You finished your ride, buy another ticket or welcome to reality…



Frankie Goes To Holllywood-Relax

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 10


Hoje custa-me o dia de ontem. Esqueço rapidamente as resoluções inabaláveis tomadas no calor do acontecimento de que nada do que não se passou ontem me iria afectar e começo a deixar baixar uma sensação pesada que me sobe ou que me desce e que me turva um sentimento de esperança de encontrar acompanhamento para uma solidão que afinal pareço já não querer e ponho a cara debaixo da torneira que escorre apenas água e que desejava aberta para um fluxo imenso de cascata que me lavasse totalmente por dentro e me deixasse puro e cristalino, página em branco para ser rescrita com outras letras, letras redondas e cheias que construíssem um outro diferente.

Sacudo e sacudo-me e olho o dia de ontem e mergulho para trás no tempo na direcção de outros dias e de outras memórias e chego à meninice e a tardes passadas nas casas de amigos que não sei por onde andam e que fui perdendo na dispersão da vida e relembro particularmente as nossas buscas aos segredos escondidos nos fundos das gavetas e por detrás dos livros das estantes e que achávamos que nos apressavam o ser adulto e nós por ignorante razão queríamos rapidamente ser adultos porque seriamos então livres de escolha e livres para ter o que nos apetecesse e comer gelados de gelo de manhã à noite com tardes inteiras nos cinemas ou na praia e sermos donos de automóveis sem tejadilho que voassem baixinho sobre a estrada.

Um dia encontrámos bem escondido por entre os outros um disco de anedotas de um velho cómico e que ouvimos vezes sem conta não tanto pelas anedotas que não entendíamos mas porque falava de sexo e de palavrões e constituía um objectivo de tesouro procurado e proibido. Não me lembro das anedotas, apenas de uma que fixei quase palavra a palavra e que fui repetindo ao longo da vida e que falava de uma aula de zoologia dada no jardim zoológico por um professor que em frente à jaula das hienas, ensinava aos seus alunos que aquele era um bicho peculiar que ria muito e que tinha a particularidade de se alimentar das fezes de outros animais e de ter relações sexuais com o seu parceiro apenas uma vez por ano.

A anedota tinha o seu clímax cómico dado pelo aluno mais traquina que interpelava o professor e lhe perguntava: “Se a hiena é um bicho que só come a merda que os outros cagam e só fode uma vez por ano, ri de quê?”. Nós sabíamos o que era foder ou pensávamos que sabíamos e dizer merda dava estatuto de rebelde e nós éramos rebeldes sem controlo e donos do nosso mundo e nunca compreendi a tragédia da anedota. Imagino hoje o velho cómico a gravar a bolacha de vinil como um palhaço triste a quem as lágrimas se secaram numa cara pintada de branco e lábios evidenciados por um vermelho vivo e que fazia rir com a ironia de uma anedota que fala de bichos que desprezamos mas que se reflecte na realidade cruel de sermos nós bichos que vivemos para comer e que muitas vezes comemos a merda que os outros cagam, literalmente ou figurativamente e que procuramos não associar a felicidade ao número de vezes que fodemos por ano.

Porque é que nos rimos? De que é que nos rimos? Que parâmetros defini para ser feliz? Reparo que ainda tenho a cabeça debaixo da torneira que não se transformou numa cascata fluida de água e que não me lavou por dentro mas acordou-me de novo para o dia que será banal e sem mais história e confundo-me na imagem que vejo no espelho com um bicho peludo de olhos negros e orelhas espetadas e boca curva que se ri, que se ri de mim porque pensa que sou um palhaço triste e eu rio-me também porque serei uma hiena perversa com maior ambição.


Carmel-Bad Day

domingo, 6 de setembro de 2009

Outros Beirais


Por estes dias ando por outras paragens:

http://prisaodepalavras.blogspot.com/2009/09/contra-o-tempo-com-contratempos.html

Deixo-vos aqui uma música que faz parte da banda sonora do último filme de um dos meus realizadores favoritos e que invejo pela forma como conta histórias e pelas bandas sonoras com que acompanha os seus filmes. Uma grande música que inunda de som e fogo uma cena fantástica, fica o desafio para adivinharem do que falo e sobretudo para irem ver o filme.


David Bowie-Cat People (Putting Out Fire)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 9

Penso nas palavras do poeta. A vida é a arte do encontro… Penso que passamos a vida à procura de encontro e a chocar de frente com o desencontro. Imagino-me muitas vezes a entrar num bar ou num simples café ou algures onde existam pessoas que nunca vi ou que vejo todos os dias sem nunca lhes ter ouvido a voz ou de ter conhecido o que as atormenta ou as apaixona, pessoas com quem me encontro no desencontro e passar por elas nesse desencontro sem perceber que aquela ali no canto ou a outra ali sentada ou aquela que até me olhou de fugida poderia ter sido a pessoa mais importante da minha vida.

Algumas pessoas importantes da nossa vida podem ser herdadas por laços de família, mas todas as outras são encontros. A vida organiza-se para nos proporcionar encontros. Somos agrupados desde que nascemos, em creches, em escolas, em casas, em ruas, em festas, em praias, em lutas, em crenças, em trabalhos, em empregos e escolhemos ou somos escolhidos. Podemos encontrar amigos, paixões e até amores e ainda outros que nos são indiferentes, aqueles com quem ficamos para sempre mesmo sem ficar ou os outros que nos foram importantes durante uma importância de tempo e que descobrimos depois que afinal não o eram ou os que se transformam de paixões em ilusões ou decepções ou que até vimos a odiar como corpos físicos ou abcessos de espírito que nos assombram.

Podemos questionar da importância do valor dos encontros quando traduzidos em frutos de amizade ou de paixão seja ela degenerativa ou regenerativa embora assuma que a paixão tem sempre um prazo de validade que não vem escrito na embalagem e que até pode ser efémera ou eterna e que o tempo que dura não se mede por padrões de linearidade. Mas eu continuo a preferir os encontros que nos ficam em amizade e que quero no meu egoísmo e na minha entrega incondicionais. Por isso tenho tão poucos amigos e tão poucos os que já não tenho medo de perder porque na sua incondicionalidade se tornaram imunes aos humores e aos rumores e aos dissabores, os que nos ouvem sem falar e nos falam depois de nos ouvir e nos criticam sem nos criticar e nos apoiam e nos empurram quando vacilamos e nos amparam antes de cair ou nos estendem a mão quando já estamos no chão.

Hoje estou aqui sem saber se me encontrarei em amizade ou em paixão ou se apenas num passar de tempo que até pode ser agradável ou de incomodos com risos francos ou fingidos de boa educação ou palavras trocadas com franqueza ou de conveniência e confesso-me ansioso como um adolescente falho de experiencia à espera de que não se notem as borbulhas e as comichões que não quero coçar e de que não sei o que fazer com as mãos, porque as mãos sempre me atrapalham num primeiro encontro e às vezes ainda num segundo e que só sei o que sinto por alguém quando sei o que fazer com as mãos.

Ligo o carro porque a Lua já há muito enxotou o Sol para o outro lado e sinto que a vida me brindou com mais um desencontro, ela, a mulher que me queria conhecer um pouco mais já não viria a este encontro ou nos teríamos desencontrado numa hora errada ou numa esquina errada ou no arrependimento de uma decisão que se tomou num impulso e que se esvaiu de vontade com o passar do tempo ou então algo diferente, algo indesculpável, algo justificável mas pouco me importa porque no final apenas sobra uma oportunidade talvez perdida ou uma oportunidade talvez ganha e arranco com o carro em direcção a um local qualquer que ainda não sei onde fica mas que terá que me preencher um tempo imprevisto.


Vinicius de Moraes e Toquinho - Samba de Bênção

domingo, 30 de agosto de 2009

Uma casa no campo


Porque tenho andado por esta vida algumas vezes em companhia mas quase sempre sozinho, porque o Agosto está a terminar e com ele metade de uma vida, porque já não sinto o cheiro a mar nem o calor do Sol que me muda a cor da pele, porque este mundo que se estende por fios e silício me tem trazido o privilégio da amizade, porque entre o cruzar de fumos e os reflexos dourados de um copo coberto de espuma se podem trocar conversas sem tempo, porque a palavra bonita no teu caso se transcende em cambiantes que se desabrocham para alem do que os olhos vem, porque sou sincero quando digo que gostaria de roubar pequeninas partes da tua historia para romancear outras historias, porque esta canção parece ter sido escrita para ti minha amiga.


Elis Regina-Casa no campo

domingo, 23 de agosto de 2009

Diário de um louco impoluto - Dia 8



Gosto de fazer longas viagens sozinho. Gosto do tempo que me sobra nesse tempo para pensar sem a interferência do ruído dos pensamentos dos outros e mecanizo a condução do carro, numa velocidade constante e tento construir a estrada só para mim, afasto-me de quem me precede e ignoro quem me persegue, nunca dou pelo que demoro, parto no instante em que me desligo do mundo e mergulho em mim e chego quando o caminho acaba. Gosto de fazer viagens e passar esse tempo comigo numa oportunidade rara de comunhão e escolho por companhia ou banda sonora um qualquer posto de rádio com poucas palavras e surpresas em cada música que possa assobiar ou cantar em voz alta as palavras que conheço ou como as percebo.

Hoje fui e vim e entre ir e vir fui profissional e nada mais. O importante e relevante foi o ir e o vir e tudo o resto se passou em cenários montados e orquestrados dentro da minha cabeça e arrumei coisas velhas, desisti de alguns farrapos de ideias ou agora sem sentido ou agora sem vontade ou agora sem possibilidade ou agora sem coragem e marquei objectivos e resoluções e imaginei o dia de amanhã como um dia feliz e isso fez-me cantar em voz mais alta a canção que tocava e que estranhamente não recordo. Mantenho-me firme em me deixar seguir pelo caminho que me conduz, não mais resistir à corrente que me leva a entender tudo como o entendo e dizer o que sinto que devo no momento e na sua forma crua, sem coberturas brilhantes ou apetitosas que escondam banalidades.

Gostava de largar tudo e escolher outra coisa, seria bom se a vida fosse um menu em que se prova uns gramas de todos os pratos e ainda uns gramas dos que nos agradaram mais para tirar todas as dúvidas e por fim escolher sem receios de decepção ou indigestão. Gostava de ser personagem da minha própria história e poder contá-la com as palavras que me apetecesse, com palavras que se transformassem em realidades de apoteose ou na simplicidade de um beijo dado numa chegada ou numa partida, jamais esquecido e que sempre retorna aos lábios nos momentos de pior dúvida. Gostava de ser pedra na minha arquitectura, actor principal na minha encenação mas sou e ainda apenas eu e nada consigo vislumbrar do dia depois de amanhã.

Paro para meter gasolina numa bomba de auto-estrada. É um local por onde se passa sem passar, onde se para sem pudor de voltar a partir e interrompo os meus pensamentos porque o carro me pede combustível e o cansaço me pede um café e a fome qualquer coisa que a sacie e opto por algo mais doce e vejo no olhar de quem me serve o desalento de alguém que vê os outros chegarem para logo partirem, hospedeira de viajantes ancorada na viagem e tenho um impulso de lhe perguntar se não gostaria também de partir mas não o faço porque me iria sentir cruel em questionar possibilidades a quem não tem opções e apenas sorrio e forço com isso o retorno de um esgar na face, sem desprezo mas com desconsolo.

Chego como normalmente sem vontade de me sentir e faço por ignorar tudo o resto em troca de um bom banho. Deixo a água correr sobre a pele e lavar a distância que percorri, porque fui e voltei sem mais significado e relembro em velocidade acelerada tudo o que pensei e pergunto-me se não deveria escrever algumas coisas para não as esquecer mas sei que não o farei, há muito que deixei de escrever para mim, há muito que deixei de escrever para os outros, há muito que me ancorei nesta parte da viagem e desisti desse destino.


Henry Mancini-Pink Panther Theme