sábado, 25 de junho de 2011

O Privilégio do Disparate – Um gajo à beira de um ataque de nervos num país de eleitos e deleites.

Já andava há que tempos com vontade de falar no Nobre e não calhou e agora se calhar é tarde porque parece-me que tão cedo não se vai voltar a ouvir falar dele e não será por mim que a coisa se estraga. Se não tivesse perdido a oportunidade de falar do homem sempre diria que fazem falta a Portugal homens ambiciosos que não olham a esforços para alcançarem lugares e que quando não conseguem ir pela esquerda vão pela direita e se não conseguem chegar ao primeiro lugar do pódio tentam o segundo porque não há nada mais nobre do que a nobreza de lutar pelo que se acredita. Se muitos acusaram Nobre de falta de coerência e sentido de dever para com os tantos que nele confiaram poder fazer diferença, seria de todo injusto não reconhecerem agora que Nobre se chegou à frente e fez questão de ser o primeiro Português a ser enganado por este governo.

Fiquei muito sensibilizado com a atitude do nosso novo primeiro que renunciou aos amendoins torrados com mel da classe executiva da TAP para se contentar com umas bolachinhas de água e sal da classe económica o que permite à nossa transportadora aérea poupar reguinhos de dinheiro e demonstra que conhece bem onde atacar o despesismo deste país e que se sosseguem os regrados e se acautelem os esbanjadores porque o tempo das vacas que se engordavam a pão de Ló e destilados escoceses acabou e não tarda nada o papel higiénico do palácio de São Bento passará apenas a ter folha tripla extra suave e a ser branquinho sem bonecos.

Parece que correu bem a estreia ontem da nova atracção do Funcenter do Centro Cultural Colombo onde quem passa pode agora ser surpreendido por tiroteio e balas perdidas e rixas familiares na melhor tradição étnica. Eu que já me enjoava passear por lá a ver montras e gajas agora mal posso esperar para sentir a adrenalina de andar ali atento de cabeça no ar de um lado para o outro e preparado para mergulhar para trás das floreiras ao primeiro estalido. Empreendedores que são os nossos comerciantes, não irá demorar que se possa alugar à entrada do recinto, coletes daqueles com muitas correias à prova de bala que tanto impressionam as miúdas e eu que gosto tanto de dar ideias lanço o repto para a criação de matinés de paintball com cursos acelerados de guerrilha urbana promovidos pela Bershka que assim como assim já parece ter nome de célula terrorista.

Fico triste com a tomada de posição da Guarda Nacional Republicana em proibir o passeio de ciclistas nus pela cidade de Lisboa mesmo depois da organização ter garantido que todas as bicicletas teriam selins…




Queen – Bicycle Race

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O catador de histórias - (01) Maria


Abro a porta e deixo os cães entrar, abaixo-me, solto-lhes as correias e tenho tempo de fazer uma festa no velho que me olha como sempre como se percebesse como estou e afasta-se para o seu canto atrás do miúdo que salta e esganiça-se e cheira tudo a inspeccionar que nada falta e nada mudou de sitio.
-Coitado já lhe custa subir as escadas…
Pois custa… Têm quase a mesma idade que nós o velho e sabe que está velho e está cansado e sente o meu cansaço e a mágoa da sua velhice na nossa velhice. 15 anos? Não quase 15 anos, foi no ano em que casámos, pouco depois do aniversário do António, estávamos todos na esplanada , a Ana, a Carla, o Zé e o Carlos ainda era vivo e havia ainda outra pessoa que não me consigo lembrar, nunca me consigo lembrar mas estava lá outra pessoa e houve alguém que começou a falar de filhos e o António riu-se e disse que não tínhamos tempo para isso, havia que viver e crescer e muito para fazer e outro que perguntou o que poderia ele então fazer se eu quisesse mesmo ter filhos e o António gargalhou e respondeu que me comprava um cão e comprou-me um cão.
O velho já dorme, respira pesado, vou chorar quando morrer, sei que vou chorar e sei que o António vai dizer-me para ter paciência e que a vida é mesmo assim e que um dia tudo acaba e que temos o Pop e que foi por isso que fomos buscar o Pop ao canil porque já sabíamos que um dia o dia chegaria em que o velho se iria e sei que irá buscar uma manta velha e embrulhá-lo e irá levá-lo para um sitio que nunca me dirá porque não adianta eu saber e com isso sofrer. Sei que não vai verter uma lágrima porque é forte, forte por nós dois e nem vai perceber que as minhas lágrimas são a minha força.
No principio brincávamos porque ainda não te tínhamos escolhido um nome e fazíamos piadas com os amigos que nos perguntavam como te chamavas e nós explicávamos que bastava olhar para ti e tu percebias e vinhas e que não precisavas de nome porque eras um cão sem nome porque eras mais do que um simples cão não cabias num só nome e depois eu quis dar-te um nome mas não consegui encontrar nenhum que lhe agradasse e o tempo foi passando e um dia sem darmos por isso eras o velho.
-Se não te importas vou para a cama que amanhã tenho que sair mais cedo, ainda não sei se tenho que ir ao Norte.
-Vais ao Porto?
-Não, se for, vou a Pombal, estamos a começar um trabalho e sabes como é aquela malta, se não percebem que o patrão anda por lá encostam-se.
-Vai tu andando que eu quero só acabar de ver isto.
O raio do miúdo finalmente caiu de sono, está deitado na ponta do sofá de onde te levantaste, deve gostar do teu calor, eu também me lembro de gostar do teu calor, antigamente quando o velho ainda não tinha nome tinhas calor. Levanto-me e apalpo o lugar sem tocar no cão que mesmo assim me pressente e levanta a cabeça e percebe o meu schiu e volta a dormir e apenas o sinto morno. Já dormes ou pretendes que pense que já dormes e recordo-me do tempo em que o velho ainda não tinha nome em que fazíamos amor todas as noites, agora já dormes ou pretendes que pense que já dormes para que não te peça para fazermos amor mas na realidade hoje nem me importava que não fizéssemos amor apenas que fodessemos.

The Cranberries - Analyse