segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 15



Aproximo lentamente os meus lábios dos seus. A aproximação dura o momento de uma eternidade que se estende para além da compreensão do tempo e quando o toque acontece imagino que todos os pássaros do mundo pararam de bater as asas suspensos apenas na definição de uma película fotográfica que se revela em mim. Envolvo o seu lábio inferior nos meus partilhando a dádiva de uma suave humidade e depois os meus lábios estão dentro dos seus e os seus dentro dos meus e as nossas línguas ganham vida própria numa valsa dançada sem regras. O beijo é uma onda que avança no nosso mar de desejo e que no seu espraiar nos nivela as dunas de qualquer dúvida, juntam-se na dança dois pares de mãos em carícias sobre o que ainda não é pele e ambos sentimos que queremos que seja pele e de uma forma natural estamos nus sentados sobre a cama, os troncos colados envolvidos em abraço e há apenas uma boca que entre as duas respira o mesmo ar afogado num sufoco urgente de paixão.

Olhamo-nos agora sem beijo, ambos sabemos que já não podemos parar e que seremos apenas corpos sem vontade ao sabor da vontade do tesão tenso que nos aura da pele e ela deixa-se cair puxando-me para cima de si e eu encaixo-me entre as suas coxas e procuro encontrar o caminho guiado pela sua humidade que se funde e atrai a minha e a penetração acontece sem dor e a cada milímetro que entro dentro dela sinto-me mais parte de um corpo que é agora uma extensão do meu. Ouço o seu suspiro, a brisa do seu respirar e a pressão do seu interior e oscilo suavemente os quadris no receio de entrar numa espiral sem controlo e cadencio o ritmo tentando concentrar-me apenas no prazer que lhe vejo nos olhos e sinto as suas mãos apertarem-me as nádegas que empurra com força fazendo-me entrar ainda mais no seu calor e a sua respiração acelera e foge-lhe dos lábios um misto de som significado sem significação e os olhos perdem-se e pressinto a urgência do seu orgasmo e pressiono-me até ao fim contraindo o sexo até sentir o derramar do êxtase que lhe confirmo no olhar e saboreio a acalmia que agora lhe irradia do corpo mas eu não quero parar e ela sorri e volta a puxar-me para si e incentiva-me a acelerar o ritmo, diz-me sem palavras que agora vai esperar por mim e espera e acabamos inertes esvaídos num beijo com outro sabor.

Estamos agora deitados lado a lado e falamos da inconsciência que nos tomou e sossega-me porque não corre o risco de engravidar e que está pura de doenças por castidade e eu digo-lhe o mesmo com a certeza de que não acredita nas minhas palavras e vejo que as lágrimas lhe invadem os olhos e pergunto-lhe se está arrependida e diz-me que não, que não ligue e que está feliz mas que não pode deixar de antecipar um sentimento de eminente abandono e chamo-lhe tonta e puxo-a para mim num outro beijo e no desejo de partilhar de novo o seu suor e desta vez é ela que se penetra em mim e que se cadencia nos movimentos que lhe fazem oscilar os seios que acaricio e que lhe beijo alternadamente, sou controlado pelo seu cavalgar, espectador privilegiado do acontecimento do seu prazer, demasiado excitado para a acompanhar vejo-a atingir os seus cumes uma e outra vez.

Sai de mim saciada e devora-me com um beijo, os peitos erectos que se roçam nos meus e sinto a sua mão que se aperta no meu sexo e sorri-me com um brilho traquinas no olhar e procura-me entre as pernas e toma-me na sua boca e do resto apenas me resta uma memória rendida.


Procurava a música ideal para este post, quando num comentário a minha amiga Storyteller a simpática miúda que tem um carro lindo decidiu deixar-me uns versos de uma canção do Angelo Badalamenti, ignorante e curioso e totalmente devoto à santa Laura Palmer fui à procura e foi paixão ao primeiro acorde, por favor ponham a música a tocar e releiam o texto. Não tenho palavras para te agradecer querida amiga…




Tim Booth and Angelo Badalamenti - Fall in Love With Me

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 14


Eu cheguei e ela chegou, somos folhas soltas caídas de uma árvore vulgar que se cruzam ao sabor do vento e que terminam casualmente juntas num pedaço de passeio. Olhamo-nos sem palavras e faço sentir que as desculpas são inúteis e sugiro que nos sentemos naquela mesa donde se pode ver o rio. Ambos estamos em silêncio a ver um par de gaivotas que pousam na margem e se movem no chão da mesma forma desajeitada com que agora me sei vazio de palavras.

Sinto-me um adolescente num primeiro encontro sonhando com a perspectiva de um beijo e ela percebe, sei que as mulheres tem uma enorme facilidade de perceberem estas coisas e ela puxa-me para fora do meu casulo com uma conversa casual sobre qualquer tema pouco importante e depois começamos a contar histórias da vida que já vivemos e do que nos importa e a procurar estabelecer pontes entre as nossas causalidades e a remexer nas memórias no entretanto em que não cruzo e descruzo os dedos e sorrio como um tolo.

Conta-me que sonhara um dia em ser alguém e que sabia o que queria da vida mas que foi empurrada por necessidade para trás de um balcão e depois de outro e outro até terminar rodeada de roupa alheia, conta-me que um dia engravidou depois de uma única noite em que se entregou a um homem que já não se encontrava a seu lado quando o dia amanheceu, conta-me que não teve coragem de tomar a decisão que todos lhe diziam ser a mais acertada e que os meses passaram e que uma criança nasceu e que hoje o seu pequenino grande amor está longe a crescer com familiares que nunca lhe perdoaram os pecados e conta-me que os sonhos se foram desvanecendo nas brumas do tempo e que agora já não lhe doem ao acordar nem lhe trazem mais as lágrimas para fora dos olhos nem que lhe importam realmente as razões que a prendem acordada ancorada ao tecto do quarto enquanto as horas passam e ouve a música melancólica do vizinho solitário que mora ao lado e os ruídos da dança de sexo do jovem casal mesmo por cima do seu quarto.

Conta-me que gosta de ser só porque se vai redimindo dos erros que não pode espelhar em mais ninguém senão em si própria e que a vida podia ser pior porque lhe permite sobreviver com algumas sobras de dinheiro que envia todos os meses para o filho que um dia terá uma vida diferente da sua e será o motivo do seu orgulho e acabará com o vazio que sente na alma. Conta-me que não percebe porque razão quis estar aqui comigo e porque razão me conta o que me conta e que gosta do meu sorriso e que se sentiu atraída pelo meu ar contraditório de quem anda perdido na certeza de um caminho.

Conto-lhe que sou egoísta por ter tanto do que não teve e que ainda assim não me satisfaz e do que gostava de ser diferente e das minhas ambições e do que me preparo para fazer e acabo a pedir-lhe desculpas. Peço-lhe desculpas por ela e não por mim e fico preso no seu olhar que parece não me perceber e que me manda parar de pedir desculpas e que me diz sem muitas palavras que gostava de ter a minha força ou a minha coragem ou partilhar um pouco de ambas. Estende-me a mão que escondo dentro da minha e ainda não tocámos nos pratos que se arrefecem nem nos copos que transparecem cheios de um líquido rubro de vinho escolhido ao acaso. Antecipo um beijo que irá fazer de amanhã um dia diferente e de nós a possibilidade de ser soma de partes solitárias que se encontram num rabisco disperso e equacionado na convergência das nossas vidas.


Elvis Costello-She

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 13


Apetecia-me apenas estar deitado sem motivos de barriga para cima à espera que hoje fosse amanhã. Apetecia-me não ter que estar aqui nem ali nem em lado absolutamente nenhum. Não tenho ainda a coragem de saltar dias, de dobrar o tempo de acordo com os meus apetites e matar de vez a necessidade de satisfazer as necessidades que já não me satisfazem.

Fui convidado para esperar no gabinete que é amplo e aberto à luz por muitas janelas, penso que existem dois tipos de gente que se quer mostrar importante, aquelas que nos fazem esperar em salas de sofás escolhidos com mau gosto e completos por uma mesinha baixa coberta de revistas que nos desafiam a inteligência e os outros que nos convidam a entrar no seu antro de poder. Estou de pé em frente a uma mesa em que todos os papéis estão meticulosamente ordenados e em que dois telefones não param de acender e apagar luzes e em que um conjunto de fotografias me mostra uma família sorridente e em que penso que a razão porque estão ali expostas é para que eu as veja e as inveje e que não é por acaso que as fotos estão viradas para mim e não para quem as devia amar.

Atrás um conjunto de prateleiras expõe troféus de muitas conquistas e feitos e algumas bandeiras e placas gravadas com datas e um aquário iluminado por uma luz fraca o suficiente para que se vejam os peixes de muitos tipos e tamanhos que nadam de um lado para o outro e de cima para baixo. Ponho-me a pensar se aqueles peixes têm a noção de quão limitada é a amplitude do seu mundo e o egoísmo de quem o limita. Este aquário será apenas para quem o tem um meio de sentir o seu poder sobre os peixes ou um meio de aliviar pressões pela observância da monotonia dos seus movimentos. Agora um deles avermelhado de cauda em forma de vela olha para mim de frente e abre e fecha a boca como se me perguntasse se deste lado também me reciclam o ar por bombas eléctricas ou se a temperatura que me cerca é mantida constante ou se me alimentam meticulosamente sempre à mesma hora através de um mecanismo de rodinhas e furinhos que se encadeiam.

Naquela troca de olhares entre seres confinados aos seus mundos de que lado estará o verdadeiro aquário? Quem observa quem? Os peixes são felizes porque estão livres de nadar no seu infinito finito, sem razões para se preocuparem com a qualidade da sua vida que é hoje a mesma que foi ontem e que salvo alguma falha técnica será a mesma amanhã. O peixe não pára de me olhar, sem piscar os olhos, imóvel junto ao vidro que nos separa e eu tenho vontade de mergulhar naquele seu espaço limitado de preocupações e partilhar a sua liberdade restrita. Gostaria que aquelas janelas se abrissem para um mar imenso para que os pudesse soltar num gesto revelador de inconformismo e de quebra de protocolos de racionalidade e assim assumir a loucura que anseio assumir perante quem me mantém confinado a um aquário que não me aquece nem me recicla o ar nem me alimenta nem me deixa nadar sem perceber as limitações do meu espaço.

Alguém entra e me cumprimenta e me intimida a sentar e começamos a conversar e eu dou por mim a falar de que tenho vontade de abrir janelas e voar para outros destinos ou nadar para direcções desconhecidas e sinto o incómodo do meu interlocutor que não percebe porque assobio agora a velha canção que o meu avô assobiava quando estava feliz, nem percebe porque me levanto e vou dar de comer aos peixes numa hora que não seria a hora deles comerem, nem percebe porque me rio por os ver agitados de volta dos farelos e nem percebe porque razão deixei de perceber as paredes de vidro que me rodeavam.


U2 -11 O'Clock Tick Tock

sábado, 19 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 12


Chego de saco de plástico na mão, lá dentro trago apenas uma desculpa para aqui chegar, trago algo impregnado com o meu cheiro e ainda outros cheiros que me relembram uma longa noite passada entre o fumo de muitos cigarros e o esvaziar de uma curta garrafa de ardor que serviu para me arrefecer as incertezas num momento de esquecimento forçado. Depressa percebo que não encontrarei o que aqui vinha procurar, apenas a mulher mais jovem que se agita quando me vê e começa a falar mais depressa do que eu a consigo perceber.

Conta-me que a colega não está, que teve que se ausentar por causa de um assunto de família e de doença e que tinha ficado desesperada por me ter faltado, por ter faltado ao encontro que tanto tinha antecipado e que não tinha o meu contacto para me avisar, para me explicar o que se passava e que tinha partido de coração partido. Pede-me que acredite, pede-me que lhe deixe forma de me contactar, que a colega voltará em breve. Peço que se acalme e que sim lhe deixarei o meu número e que esperarei pelo telefonema da colega e que a entendo e que o futuro é amanhã e não foi ontem. Acabo por trocar uma camisa por lavar, sebenta de incertezas e artifícios por uma promessa de um recomeço.

Saio dali a pensar nas razões que me levam a ter episódios de insegurança mesmo naquilo que nada pode ainda significar. Cruzo-me com gentes a quem avalio os pensares e o que as move e o que as apaixona e o que as faz sair de casa decididas a viver mais um dia. O telefone toca e interrompe-me os pensamentos, atendo solicito e enceno cenários de coisas que tem que acontecer porque alguém necessita que aconteçam e deixo de ser aquilo que gostaria de ser para voltar a ser aquele que esperam que eu seja e isso incomoda-me. Cada vez me incomoda mais manter uma imagem e imagino se esta multidão que me rodeia interpreta um papel principal na sua própria vida ou apenas um papel secundário redundante insignificante irrelevante.

Decido sorrir por ter vontade e por me lembrar na mulher de cabelo amarelo que me viu um dia nu e desta mulher que lava camisas e que passou a ver na vida simplicidades com outras dimensões e que me quer conhecer e o quanto isso me atrai e porque isso me atrai e o telefone toca de novo. Desta vez ouço do outro lado uma voz feminina que se interrompe para me convencer de razões, por fim acabamos por combinar um novo encontro daqui a dois dias e porque é sábado poderemos almoçar e talvez passear à beira do rio ou ir a um cinema ou o que me apetecer porque foi ela que me falhou e eu digo que não, que fez o que tinha que fazer porque a vida traz-nos outras prioridades que se nos antecipam e despedimo-nos com um beijo.

Passo agora por alguém que me estende a mão solicitando piedade, o cheiro a álcool revela-me o teor da sua fome, mas agora não me importa justificar a forma da fome se ela existe e levo a mão ao bolso e despejo na sua algumas moedas de diferentes cores e tamanhos e pergunto-lhe porquê. Olha-me de olhos perdidos e surpreende-me que compreenda a pergunta mas não lhe saem da boca respostas apenas um encolher de ombros que quer que eu entenda e eu entendo porque percebo que o que me separa daquela fome foram apenas instantes ou acasos ou medos ou falsas sensações de coragem e nunca remorsos.

Volto a vestir a mascara do lobo sobre a pele do cordeiro e entro no edifício de paredes que me apertam a vida neste sufoco sem que o grito que me quer sair da alma se faça ouvir.


The Passions - I'm in love with a German film star

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 11


Quis tirar um dia só para mim. Telefonei a dizer-lhes que não, que riscassem um daqueles dias que ainda me deviam de um ano destes passados, aqueles que acabo por me esquecer e ninguém faz por me lembrar. Meti-me no carro e procurei uma praia que por ser meio da semana ainda deveria ter areia disponível por entre corpos que se deitam e corpos que se movem e corpos que jogam jogos de bolas que voam pelo ar e chocam com outros corpos entre risos e outros protestos. Despi a roupa e simulando pudor ocultei o enfiar dos calções por trás da toalha que estendi de seguida sobre o areal depois de afastar com o pé duas ou três beatas de cigarros já ressequidas.

O mar estava calmo sem ondas coberto de reflexos de luz que pareciam nadar sem destino. Tirei da mochila um creme que iria proteger-me a pele e espalhei-o generosamente pelo corpo que alcançava e fiquei a ambicionar outras mãos mais suaves que me tocassem noutros lugares mais profundos. Sentei-me e franzi os olhos reduzindo o horizonte a tentar esconder o brilho do Sol, observei em redor, pequenas ilhas de gente, em cada uma história que se podia imaginar pela forma como se dispunham os corpos, pela forma como se olham, pela forma como se tocam ou pela forma como se ignoram.

Ali do meu lado um casal jovem, talvez ainda adolescentes, ele deitado de barriga para baixo disfarça a cobiça com que a olha, as curvas expostas ao dourar lento do Sol, os peitos espetados em desafio e um sorriso nos lábios discreto e poderoso, sem as ouvir adivinho as palavras desajeitadas do rapaz, adivinho a descrição de feitos inconsequentes e a ambição de um futuro de aventuras onde ela teria o papel principal da heroína, adivinho palavras que fazem promessas que não se podem quebrar e ela é hoje a sua musa podendo ser amanhã a sua glória. Ali mais abaixo dois homens de ar meio perdido, predadores sem dentes e bico arqueado, devoram as mulheres que passam ruminando comentários entre si como machos primários, são símbolos incompreendidos de virilidade ou fontes ignoradas de prazer, reis bastardos a quem roubaram um reino mas que ali estão prontos e aptos para a sua reconquista. Acolá uma família com filhos encontra motivos fáceis para gritar, gritam entre si, gritam para se ouvirem, gritam para expulsar frustrações e desgastes, gritam para ignorar uma falta de coragem não assumida ou simplesmente a falta de uma saída. Mais abaixo vejo dois corpos que se confundem e que me confundem não distingo na mistura das carnes o princípio de um e o fim do outro, ali não há palavras, ali não há necessidade de haver palavras. Aqui quase ao lado uma mulher só foge do mundo para dentro de um livro de capa elegante com cores de paixão. Ainda mais abaixo dois idosos molham os pés a pensar noutros tempos, aqueles em que a praia era quase só para eles e não havia esta confusão e as pessoas eram bem-educadas que se cumprimentavam e toda a gente se conhecia pelo nome.

Fui mergulhar nas águas, nadei e afastei-me da areia até me sentir de novo apenas só, nadei até as ilhas de gente serem apenas pontos indistintos, sem histórias para imaginar, naquela imensidão de mar reavaliei o meu presente e reafirmei o meu futuro e inventei-me sentado naquela praia completamente deserta olhando a areia que me escorre por entre os dedos, percebendo que cada grão é um cristal poderoso que por muito ínfimo que seja reflecte a luz e faz a praia ser dourada e que todos são diferentes e que esta praia dourada é a fronteira entre dois mundos, um que me afasta e outro que me flui e senti a atracção de me deixar levar pela maré que me podia arrastar para longe mas essa não é a minha natureza e nadei de regresso a mim.

Tenho na mala do carro uma camisa por lavar com dois dias de suor, amanhã irei resolver esse assunto…


Bruce Springsteen & Sting - The River

domingo, 13 de setembro de 2009

Incentivadores de ódio


Este meu blog é o meu blog que nunca usei para atacar ninguém e tem sido um meio de transmitir os meus sentires, realidades e ficções que querem sair da minha cabeça, apenas isso e nunca será mais que isso.

Este blog tem tido para mim o efeito secundário de me ter permitido conhecer algumas pessoas a quem não tenho nenhum problema de classificar de amigos, pessoas extraordinárias que por outro modo nunca teria conhecido e que hoje me ajudam a olhar o futuro de uma forma mais risonha, pessoas que me enriquecem com a sua forma de estar, pessoas que confiam em mim e em quem confio, pessoas que me conhecem melhor do que muitas com quem partilhei tanto tempo e que se acham no direito de me julgar e odiar.

Recebi um comentário anónimo a propósito do post:
http://littleboyj.blogspot.com/2009/09/diario-de-um-louco-impoluto-dia-10.html

“Você devia ter mais cuidado com a lingua, afinal tem telhados de vidro, seu porco é isso que quer ensinar aos seus filhos tenha vergonha, para homens como você deveria haver pena de morte.... Não apague o comentário...seu porque e ainda tem a mania que escreve bem vá tirar a 4ª classe a ver se aprende alguma coisa..”


Não sei nem quero saber quem é esta pessoa, embora me fosse muito fácil sabê-lo dada a minha profissão e os meus contactos mas sei que é alguém que não me conhece, mas que se acha no direito de me insultar, classificar e julgar e alguém a quem não vou sequer responder mas que suspeito estar a ser incentivada por ódios alheios e que os pretende propagar e por isso apenas digo, olhe-se no espelho e para seu bem e daqueles que tem que partilhar o seu mundo encontre razões para ser feliz…


Supertramp-Logical song

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O Privilégio do Disparate – décimo descendente, desviante, desinteressado, desigual e mediado por entre folhos de outros rubores.



Fasten your seat belts…

Se a vida fosse um imenso parque de diversões nasceríamos todos sem medo de andar nas montanhas russas e a fome poderia ser saciada por flocos de algodão doce de todas as cores e maçãs caramelizadas e polvo assado e farturas secas de óleo e churros recheados com muitos gostos e todos os carros podiam chocar sem risco de mossas e as guerras seriam resolvidas nas barraquinhas de tiro e os carrosséis seriam transportes de massa com cavalinhos imortais e cisnes e unicórnios e o choro proibido e a ausência de dor dispensaria os hospitais e os políticos alvos empilhados para meias enroladas e se derrubássemos cinco teríamos direito a um urso de peluche ou uma entrada na casa dos espelhos que nos mostrava a imagem que queremos ter sem convexidades nem psicoses e os loucos adorados como profetas e todos os poetas seriam cantores e o namoro uma ciência com cátedra de múltiplas vertentes práticas e a reprodução um acto divino e o sexo apenas sexo e sempre acompanhado de música ambiente e nos cinemas só se podia entrar despido de preconceitos e sair vestido de riso e não se envelhecia apenas se crescia em experiência e a palavra felicidade decretada como banida por redundância de sentido.

You finished your ride, buy another ticket or welcome to reality…



Frankie Goes To Holllywood-Relax

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 10


Hoje custa-me o dia de ontem. Esqueço rapidamente as resoluções inabaláveis tomadas no calor do acontecimento de que nada do que não se passou ontem me iria afectar e começo a deixar baixar uma sensação pesada que me sobe ou que me desce e que me turva um sentimento de esperança de encontrar acompanhamento para uma solidão que afinal pareço já não querer e ponho a cara debaixo da torneira que escorre apenas água e que desejava aberta para um fluxo imenso de cascata que me lavasse totalmente por dentro e me deixasse puro e cristalino, página em branco para ser rescrita com outras letras, letras redondas e cheias que construíssem um outro diferente.

Sacudo e sacudo-me e olho o dia de ontem e mergulho para trás no tempo na direcção de outros dias e de outras memórias e chego à meninice e a tardes passadas nas casas de amigos que não sei por onde andam e que fui perdendo na dispersão da vida e relembro particularmente as nossas buscas aos segredos escondidos nos fundos das gavetas e por detrás dos livros das estantes e que achávamos que nos apressavam o ser adulto e nós por ignorante razão queríamos rapidamente ser adultos porque seriamos então livres de escolha e livres para ter o que nos apetecesse e comer gelados de gelo de manhã à noite com tardes inteiras nos cinemas ou na praia e sermos donos de automóveis sem tejadilho que voassem baixinho sobre a estrada.

Um dia encontrámos bem escondido por entre os outros um disco de anedotas de um velho cómico e que ouvimos vezes sem conta não tanto pelas anedotas que não entendíamos mas porque falava de sexo e de palavrões e constituía um objectivo de tesouro procurado e proibido. Não me lembro das anedotas, apenas de uma que fixei quase palavra a palavra e que fui repetindo ao longo da vida e que falava de uma aula de zoologia dada no jardim zoológico por um professor que em frente à jaula das hienas, ensinava aos seus alunos que aquele era um bicho peculiar que ria muito e que tinha a particularidade de se alimentar das fezes de outros animais e de ter relações sexuais com o seu parceiro apenas uma vez por ano.

A anedota tinha o seu clímax cómico dado pelo aluno mais traquina que interpelava o professor e lhe perguntava: “Se a hiena é um bicho que só come a merda que os outros cagam e só fode uma vez por ano, ri de quê?”. Nós sabíamos o que era foder ou pensávamos que sabíamos e dizer merda dava estatuto de rebelde e nós éramos rebeldes sem controlo e donos do nosso mundo e nunca compreendi a tragédia da anedota. Imagino hoje o velho cómico a gravar a bolacha de vinil como um palhaço triste a quem as lágrimas se secaram numa cara pintada de branco e lábios evidenciados por um vermelho vivo e que fazia rir com a ironia de uma anedota que fala de bichos que desprezamos mas que se reflecte na realidade cruel de sermos nós bichos que vivemos para comer e que muitas vezes comemos a merda que os outros cagam, literalmente ou figurativamente e que procuramos não associar a felicidade ao número de vezes que fodemos por ano.

Porque é que nos rimos? De que é que nos rimos? Que parâmetros defini para ser feliz? Reparo que ainda tenho a cabeça debaixo da torneira que não se transformou numa cascata fluida de água e que não me lavou por dentro mas acordou-me de novo para o dia que será banal e sem mais história e confundo-me na imagem que vejo no espelho com um bicho peludo de olhos negros e orelhas espetadas e boca curva que se ri, que se ri de mim porque pensa que sou um palhaço triste e eu rio-me também porque serei uma hiena perversa com maior ambição.


Carmel-Bad Day

domingo, 6 de setembro de 2009

Outros Beirais


Por estes dias ando por outras paragens:

http://prisaodepalavras.blogspot.com/2009/09/contra-o-tempo-com-contratempos.html

Deixo-vos aqui uma música que faz parte da banda sonora do último filme de um dos meus realizadores favoritos e que invejo pela forma como conta histórias e pelas bandas sonoras com que acompanha os seus filmes. Uma grande música que inunda de som e fogo uma cena fantástica, fica o desafio para adivinharem do que falo e sobretudo para irem ver o filme.


David Bowie-Cat People (Putting Out Fire)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Diário de um louco impoluto – Dia 9

Penso nas palavras do poeta. A vida é a arte do encontro… Penso que passamos a vida à procura de encontro e a chocar de frente com o desencontro. Imagino-me muitas vezes a entrar num bar ou num simples café ou algures onde existam pessoas que nunca vi ou que vejo todos os dias sem nunca lhes ter ouvido a voz ou de ter conhecido o que as atormenta ou as apaixona, pessoas com quem me encontro no desencontro e passar por elas nesse desencontro sem perceber que aquela ali no canto ou a outra ali sentada ou aquela que até me olhou de fugida poderia ter sido a pessoa mais importante da minha vida.

Algumas pessoas importantes da nossa vida podem ser herdadas por laços de família, mas todas as outras são encontros. A vida organiza-se para nos proporcionar encontros. Somos agrupados desde que nascemos, em creches, em escolas, em casas, em ruas, em festas, em praias, em lutas, em crenças, em trabalhos, em empregos e escolhemos ou somos escolhidos. Podemos encontrar amigos, paixões e até amores e ainda outros que nos são indiferentes, aqueles com quem ficamos para sempre mesmo sem ficar ou os outros que nos foram importantes durante uma importância de tempo e que descobrimos depois que afinal não o eram ou os que se transformam de paixões em ilusões ou decepções ou que até vimos a odiar como corpos físicos ou abcessos de espírito que nos assombram.

Podemos questionar da importância do valor dos encontros quando traduzidos em frutos de amizade ou de paixão seja ela degenerativa ou regenerativa embora assuma que a paixão tem sempre um prazo de validade que não vem escrito na embalagem e que até pode ser efémera ou eterna e que o tempo que dura não se mede por padrões de linearidade. Mas eu continuo a preferir os encontros que nos ficam em amizade e que quero no meu egoísmo e na minha entrega incondicionais. Por isso tenho tão poucos amigos e tão poucos os que já não tenho medo de perder porque na sua incondicionalidade se tornaram imunes aos humores e aos rumores e aos dissabores, os que nos ouvem sem falar e nos falam depois de nos ouvir e nos criticam sem nos criticar e nos apoiam e nos empurram quando vacilamos e nos amparam antes de cair ou nos estendem a mão quando já estamos no chão.

Hoje estou aqui sem saber se me encontrarei em amizade ou em paixão ou se apenas num passar de tempo que até pode ser agradável ou de incomodos com risos francos ou fingidos de boa educação ou palavras trocadas com franqueza ou de conveniência e confesso-me ansioso como um adolescente falho de experiencia à espera de que não se notem as borbulhas e as comichões que não quero coçar e de que não sei o que fazer com as mãos, porque as mãos sempre me atrapalham num primeiro encontro e às vezes ainda num segundo e que só sei o que sinto por alguém quando sei o que fazer com as mãos.

Ligo o carro porque a Lua já há muito enxotou o Sol para o outro lado e sinto que a vida me brindou com mais um desencontro, ela, a mulher que me queria conhecer um pouco mais já não viria a este encontro ou nos teríamos desencontrado numa hora errada ou numa esquina errada ou no arrependimento de uma decisão que se tomou num impulso e que se esvaiu de vontade com o passar do tempo ou então algo diferente, algo indesculpável, algo justificável mas pouco me importa porque no final apenas sobra uma oportunidade talvez perdida ou uma oportunidade talvez ganha e arranco com o carro em direcção a um local qualquer que ainda não sei onde fica mas que terá que me preencher um tempo imprevisto.


Vinicius de Moraes e Toquinho - Samba de Bênção