segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Privilégio do Disparate – (IN)Mundanismos [5] – O ser Português (e)Dependente


Quem tem medo do lobo mau? Poucos terão coragem de admitir que depois de deixar de mijar na cama ainda tem medo do lobo mau, assim como poucos terão coragem de dizer em público que ainda tem medo da gripe que era dos porcos e depois virou quase histeria planetária de quem não tinha mais nada com que se chatear, muitos dirão que cautelas e caldinhos de galinha nunca fizeram mal a ninguém e que se não foi desta que o mundo acabou, será para a próxima e outros dirão que foi tudo uma negociata, como já ouve outras, há que aproveitar o medo da populaça de que o céu lhes pode cair em cima para vender vacinas e dar trabalho às gráficas a fazer panfletos e cartazes com regras básicas de higiene e que mal tem que de repente se possa ganhar muito dinheiro a vender gel mal cheiroso e dispensadores do mesmo que todos compraram como papo-secos.

Somos todos uns ingratos porque só sabemos criticar e há que louvar os que nos governam e tentam conduzir para um futuro brilhante como povo ingovernável que somos, porque tomou as medidas que tinha que tomar e que até apenas se limitou a fazer o que os outros países muito mais evoluídos que nós também fizeram e que agora até como brilhante negociador vai conseguir dispensar o excesso das vacinas que afinal já não precisamos e que ninguém venha dizer que para anular a encomenda só teremos que pagar um bocadinho a mais do que o lucro que quem as fabrica teria porque isso são só más-línguas e nunca se há-de provar, porque quem sabe só tem a perder se botar a boca no trombone.

Irrita-me este povo, mais ainda por me sentir tão parte dele, somos e eu também sou, muito maldizente, quase mesquinho e não tenho razões para me orgulhar. Por exemplo, gosto de dizer mal dos arrumadores de carros. E digo mal porquê? Não fazem eles um serviço que na maior parte das vezes não é mais do que me ameaçar sem palavras de que se não der a moedinha me arrisco a encontrar o carro devidamente autografado ou com o limpa pára-brisas velho que já não limpava porra nenhuma pronto a ser substituído por um novo que limpe melhor. Que mal tem que não haja um cantinho deste País onde caiba um carro que não tenha já alocado um tipo com mau aspecto a abanar os braços e estender a mão, ò tio não se arranja uma moedinha? E um cigarrinho? Sem querer exagerar e deixo aqui um desafio para quem gosta de contar e fazer estatísticas, não deve faltar muito para termos mais arrumadores do que carros e se calhar não era má ideia se as marcas de automóveis começassem a incluir como opção o dito e lá podia vir o carrito com bancos eléctricos, tecto de abrir, GPS e um arrumador já sem tomar banho há uma semana. Podiam até prever um espaço para o arrumar, agora que os carros já nem trazem pneu suplente, com jeito até se encaixava nem que fosse um arrumador pequenino.

Ora o que leva alguém a querer ser arrumador? As contingências da vida, muitos dirão, o desemprego e o desespero e as dependências de coisas menos licitas mas que os fazem felizes por um bocadinho e é desprezível da minha parte estar a ironizar com isto, porque quem escolhe ser arrumador não tem outra opção de vida e que a muitos até custa riscar carros. São arrumadores porque ninguém lhes dá outra possibilidade de dependência além das dependências que os condicionaram a ser dependentes e se houvesse vontade politica para acabar com os arrumadores bastaria pagar um subsídio que os compensasse da perda de rendimento e se há subsídios para tudo e se o Português aprendeu a viver de mão estendida e a conseguir dormir de cabeça erguida sem nenhum problema em ser dependente que mal tem mais um grupo de infortunados dependentes.

Uma moedinha aqui e outra ali e o dia está feito. Eu admiro o esforço enorme que aquela gente tem em fazer de tudo para não ter que se esforçar a fazer outra coisa. É de louvar o esforço que muitos se dão em arranjar mecanismos oportunistas de tirar partido das oportunidades mesmo que para isso tenham que viver o resto da vida sem poder agarrar as verdadeiras oportunidades da vida e eu até sei do que estou a falar.


Pink Martini- Je ne veux pas travailler

13 comentários:

Nuno Amado disse...

:)
Existe um parque de estacionamento em Oeiras, o parque do CC Galerias do Alto da Barra, onde essa louvável e honesta profissão tem sido posta à distância... os utilizadores (parte deles) sempre que vislumbram um arrumador ao longe chamam a polícia, ou o segurança do CC. Assim eles não têm tempo de criar raízes, e assim nos vamos livrando dessa praga criminosa a quem não acontece nada...

Abraço

LBJ disse...

Bongop,

Eu infelizmente tive que ir a tribunal para me ir livrando dessa praga criminosa :)

Abraço

Anónimo disse...

Passei aqui sem "querer" e gostei do que li.
Passarei mais vezes e, por isso mesmo serei o passageiro deste blog!

Francisco José Rito disse...

A muitas dessas pessoas falta forca de vontade, concordo, mas que alternativas lhes da, quem deveria faze-lo?

Claro que nada justifica riscar os carros porque nao lhe deram uma moeda, mas nao sao todos os que riscam.

Abracos

Pronúncia disse...

LBJ, um dia fiz as contas por alto de quanto poderia ganhar um arrumador de carros num local movimentado... olha que é muito e ainda por cima livre de impostos!
E foi nessa altura que compreendi porque é que há lutas entre arrumadores causadas pela propriedade do respectivo "posto de trabalho" ou porque há "postos de trabalho" vendidos a peso de ouro...

Storyteller disse...

Sinceramente - e desculpa-me desde já se ofendo a tua sensibilidade ou a sensibilidade de outras pessoas que por aqui passam - acho que o Estado deveria arranjar uma forma de acabar com essa praga.. Acho que é mesmo falta de vontade e não falta de meios. Mais uma vez, é a política do facilitismo em todo o seu esplendor. Premeia-se quem não faz esforço para trabalhar (e arranja todo o tipo de desculpas para não o fazer) e castiga-se quem se mata a trabalhar, que dá o litro, que tira horas à família para ter uma vida minimamente confortável.
Parasitas é algo que dispenso!

Posso não deixar beijos?

catwoman disse...

Sabes do que estás a falar? Ou seja, tens subido da vida de arrumador passaste a dono de automóvel? e achas que todos os arrumadores tem outras oportunidades? Quais são as oportunidades que achas que têm? O rendimento minímo? Porque esse pagamos todos, aos arrumadores só pagam alguns, eu como ando de transportes, exerço bem o meu egoísmo e não me incomodo com eles. disse que estaria aqui para implicar e sou uma mulher de palavra,sempre fui, por isso aqui estou... :)
PS. Pelo menos o arrumador que levaste a tribunal arrumou-te bem?

LBJ disse...

Anónimo,

És sempre bem vinda e ficas desde já com lugar cativo como passageira em primeira classe :)

LBJ disse...

Boa tarde Francisco,

Usei os arrumadores como exemplo mas há muitos outros exemplos.

A força de vontade não chega para justificar tanto parasita e fazes uma pergunta que não sei responder, mas eu nunca me candidatei para resolver estas questões.

Um Abraço

LBJ disse...

Tí Pronúncia,

Ainda ontem assisti ao espectáculo nas cercanias do estádio de Alvalade. Há por aqui um terreno que está sempre a ser “gerido” por um indígena que nunca arreda pé para não perder a concessão, até dorme debaixo de umas escadas. Quando há jogos é reforçado por mais três ou quatro que aparecem uma horas antes do jogo para organizar a coisa, a operação é impressionante.

Bêjos

LBJ disse...

Story,

Não podia concordar mais contigo, mas não te habitues e os beijos levas na mesma quer queiras quer não queiras :P

LBJ disse...

Cat,

Posso falar à vontade sobre este tema porque sim subi na cadeia alimentar e a pulso e comecei aos 16 anos. Não quero fazer generalizações porque seria injusto e há gente boa e que até tem utilidade nalgumas situações, mas a maior parte dos arrumadores e aqueles que passam a vida de mão estendida são uns parasitas e que na maior parte dos casos te intimidam para que os sustentes. Tu que andas de transportes públicos também apanhas com os parasitas e sabes bem disso.

Relativamente ao tribunal o meu arrumador era alegórico e foi ele quem me levou a tribunal, há muitos tipos de parasitas neste mundo.

Sabes que eu gosto que impliques comigo :)

Beijos

entrelinhas. disse...

sempre... fascinante!! que escrita!

beijo,
sara