quinta-feira, 6 de maio de 2010

Diário de um louco impoluto – Dia 23


Queria poder contar com pontos de retorno. Queria parar o mundo neste instante e guardar a vida num lugar seguro, uma caixa, uma carta ou um frasco que pudesse rolhar de vidro opaco longe dos olhos e de todos para que a incerteza fosse sempre um caminho seguro. Quero o poder de voltar aqui e agora apenas estalando os dedos, tlec e tenho uma nova oportunidade de me falhar. Não me importa emendar o tempo, hora a hora ou dia a dia como o faço com as palavras que me desagradam e que apago e reescrevo com outras letras ou sons ou significados, não me importa trilhar todo o caminho por muita pedra que me sangre os pés, chegar ao fim e ver o final mas gostaria de ter a possibilidade de escolha de um novo recomeço a partir de um ponto ou instante como este em que o que está mal até não está mal de todo.

Sou fraco porque escolho não escolher, é mais fácil deixar seguir o rio em direcção a onde quer que vá chegar, alguns rios conseguem até chegar ao mar e chegar ao mar é fazer parte de algo imenso ou apenas diluir ilusões, a água deixa de ser doce quando chega ao mar, onde ficará a fronteira entre a água do rio que é doce e a água do mar que é salgada? Sou como a água que flui pelo caminho mais fácil, sou como a água que flui sem perceber que deixa de ser doce e se salina e amarga, sou como a água por vezes transparente outras opaco e estou a deixar-me fluir somente porque me atrai o mar.

A sua mão está pousada na minha perna, oculta pela mesa, acaricia o interior das minhas coxas num movimento inequívoco de sedução. A mulher do cabelo amarelo que já não é amarelo mas feito de muitos dourados e castanhos, sorri-me com os olhos e diz-me que sente o desejo de voltar a ver o meu corpo nu, quer olhar-me com as pontas dos dedos e com as pontas dos seios e com a humidade dos lábios, quer sentir os contornos escondidos da minha pele com o seu roçar impudico. Tenho vontade de dizer alguma coisa que não sei se é um concordar ou um discordar mas sou afogado de vontade pela vontade de um beijo que me cola a boca e deixo-me fluir pelo desejo.

Sinto-me mal por me sentir bem e quero fugir mas fico preso por uma mão que agora me segura firme uma erecção que não tenho forma de controlar, há um convite implícito nos seus olhos castanhos que brilham como o mar num dia de verão e eu sei que a vou seguir para onde for que for o caminho que me quiser levar e que me vou deitar a seu lado à espera que me cubra com o seu corpo que adivinho suave. Vou-me deitar no leito que me leva por um caminho que escolho pela minha fraqueza de não conseguir escolher, estou preso pela atracção do mar que antevejo nos olhos de uma mulher que sinto real pela mão que me prende mas que me atrai por um sentimento irreal de perigo, tenho medo da incerteza mas é ela que me fascina e puxa e que faz não querer mais do que deixar fluir.

Acabo o dia na noite suado e sem saber se o que sinto agora é arrependimento ou medo e se pudesse ter o botão que me levasse a um ponto de retorno, se o apertaria agora ou se ainda me deixaria ficar a fluir neste desejo que começou por não ser o meu mas que me foi cercando num caminho fácil e me contagiou porque sou fraco e estendo a mão e sinto-lhe a ponta de um mamilo, hirto e compreendo que não o conseguiria apertar…


James - Sit Down

2 comentários:

Storyteller disse...

Um regresso em grande deste Louco que já me é tão querido!

E a música então? Ui! Do melhor! Espanta-me como nunca antes puseste qualquer música dos James.

Confissão (aqui, que ninguém nos ouve): tenho uma paixão assolapada pelos James; para mim, são a maior banda do Mundo!

:D

LBJ disse...

Story,

O louco pelos vistos desta vez não foi muito popular...

Os James para mim são um gosto adquirido recentemente e já lá cantava o Rui…

Beijos lambuzados