quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O Privilégio do Disparate – A caminho do fim do Mundo – Semana 05 – (Tenho que começar a ter mais atenção aos prazos de validade dos iogurtes)


“Não fui eu… Nem sequer lhe mexi…” E mesmo que tenha sido ou lhe tenha mexido, ninguém viu por isso não me tentem acusar seja do que for que eu sou inocente até alguém conseguir provar o contrário.

Aqui há uns dias houve eleições e já tinha falado nisso e como previa nada se alterou e não queria voltar a falar nisso e se estou a falar nisso é porque muitos tentaram votar e não conseguiram e se não conseguiram paciência fica para a próxima que o que não faltarão são novas oportunidades de votar que é um dever cívico e uma nova oportunidade de mudar e mudar não é fácil mas necessário e importante e já se escreveram muitos livros sobre mudança e da sua necessária importância e um dia destes ainda escrevo também sobre isso mas hoje mesmo não querendo falar nisso vou falar noutra coisa.

A razão porque muitos tentaram votar e não conseguiram pode ser explicada pela necessidade que a sociedade moderna tem de evoluir para uma sociedade mais simples e justa onde os cidadãos há muito deixaram de ser apenas um número para passarem a ser muitos números que andavam dispersos por muitos cartões até que alguém se lembrou de que se calhar era giro concentrá-los todos num cartão único ou para que não viessem os humoristas fazer piadas fáceis, um cartão do cidadão com montes de electrónica e biotrónica e coisas modernas para se tratar na internet.

Poderia parecer normal ao homem simples que ao simplificar, todos os números que nos identificam passariam a ser um só, único e inequívoco, atribuído à nascença, agora e na hora da nossa morte, mas alguém muito mais evoluído que um homem simples, diria mesmo um homem complicado, achou que isso seria diminuir o cidadão na sua importância de cidadão e de contribuinte e de beneficiário e de utente e de eleitor e o cartão único ou do cidadão, por causa das graças, podia ser único mas teria que ter muitos números mas ainda assim pelos vistos não os suficientes.

A razão porque muitos tentaram votar e não conseguiram foi porque algo imprevisível aconteceu e digo imprevisível porque tudo o que corre mal neste País é mero fruto do acaso, esse malandro danado para a brincadeira que tanto riso gratuito nos tem proporcionado. Parece que era suposto informar o cidadão de algo que ele não tinha ainda sido informado mas como por acaso não foi informado, o cidadão tinha a obrigação de se informar antes para não ficar indisponibilizado de obter a informação por existirem muitos a se tentarem informar depois. Pode parecer complicado mas na verdade é simples como o que se pretende de todo o sistema.

Na realidade quem tem o direito e o dever de votar já tem o dever e o direito de saber como é que funciona este País, funciona e pronto e quando não funciona não devia surpreender ninguém porque como dizem os Americanos: “Shit Happens dude”. Não vale a pena virem os chatos do costume tentar arranjar culpados, neste nosso País não há incompetência, nunca houve, nunca haverá e até se poderia simplificar o dicionário abolindo simplesmente a palavra e se ainda não se fez não será nunca por incompetência, até porque a palavra nem existiria.

Eu que sou tão simples como o tal cartão único que só não é único por causa das graças, sinto-me orgulhoso de viver num País onde não há incompetentes, sinto-me seguro por saber que tudo funciona por defeito e senão funciona é porque já nasceu com defeito, fruto do acaso ou mesmo da sorte ou da falta dela e que mesmo quando há merda isso não significa que alguém a tenha cagado.

É bom concluir que não sou apenas um número e que continuo a ser muitos, alguns ainda um competente mistério por se revelar.


Sérgio Godinho - O Coro das Velhas

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