quarta-feira, 17 de agosto de 2011

(À Suivre) – 05

Nós éramos seis ou sete e às vezes nove e o que mais queríamos era um dia viver uma grande aventura. Não reparávamos muito nisso mas estávamos a crescer mais um bocadinho todos os dias num tempo em que o crescimento era ainda medido pelas bainhas das calças que todas as Mães sabiam fazer e desfazer mais um bocadinho de vez em quando entre suspiros e sorrisos e linha a condizer. Nós estávamos a crescer e aproximávamos os nossos olhos mais um bocadinho todos os dias dos olhos das nossas Mães que misturavam no brilho orgulho e mágoa porque crescíamos num tempo onde faltava liberdade e sobrava guerra e receavam a chegada de um dia em que por mais um bocadinho nos sobrasse perna e lhes faltasse tecido.

Mas nós não queríamos saber nem das incertezas nem das guerras dos crescidos e queríamos é que chegasse o dia em que iríamos viver uma grande aventura porque este era ainda o tempo em que o Mundo era uma coisa enorme com muitos cantos onde tanto nos podíamos perder como nos podiam encontrar e as estórias que nos enchiam a imaginação e atiçavam o espírito eram contadas na televisão entre meandros de cinzento e muitas sombras e os livros não tinham capas que brilhavam com várias cores mas tinham textura e cheiravam a papel.

Nós éramos seis ou sete e às vezes nove rapazes com duas mãos cheias de anos e a cabeça cheia de sonhos e o espaço que ocupava a nossa rua não chegava para a nossa ambição e todos os dias algum de nós vinha com uma ideia de ir mas invariavelmente todos os dias algum de nós vinha com uma obrigação de ficar e na falta do concreto fazíamos planos. Penso que nunca antes e jamais depois um projecto foi tanto e tão bem planeado como o nosso, nós tínhamos mapas e diagramas e listas e códigos de palavras e de gestos e papéis e tarefas e ensaiávamos cenários e contingências e sabíamos ao milímetro tudo o que tinha de ser feito e quando ser feito para ter sucesso no que iríamos fazer só nos faltava o que fazer.

Já não sei quem nem quando mas um dia alguém achou que tínhamos que ter nomes mais apropriados do que próprios, nomes de heróis destemidos e valentes e fortes e distintos e assim nasceram o Sandocam e o Capitão K e o Sportie e o Mastermainde e o Rubinudo e o Xerife e o Piloto e o meu irmão continuou a ser o puto e mesmo insistindo e esbracejando que queria ser o Bonanza, ninguém lhe ligou. Eu confesso que perdi muito tempo a pensar no assunto. Eu não queria escolher por escolher e antes pelo menos uma vez na vida reconhecido por apelido do que nunca por feito.

Eu gostava mesmo de ser criança e não tinha pressa nenhuma de crescer e aqueles foram os tempos em que podíamos ser o que escolhíamos ser, sem vergonhas nem dúvidas nem que fosse por um bocadinho todos os dias, naquela rua, naquele espaço que nos era já pequeno mas que acreditávamos poder vir a ser a entrada secreta de um outro Mundo e nós os seis ou sete e às vezes nove permutávamos de identidade ao sair de casa e éramos os nossos próprios heróis indestrutíveis à prova de esfoladelas de joelhos e arranhões e cabeças partidas, coisas que inevitavelmente aconteciam e que podiam trazer lágrimas e alguma dor mas acima de tudo currículo.

(À Suivre)

DIVA - Mariana

5 comentários:

Gata2000 disse...

E hoje, quando olho para trás e penso nesses tempos dá-me vontade de gritar, porque é que cresci porra!!!

Pronúncia disse...

É tão bom ser pequenino... :)

(Belíssimo texto... como sempre)

Bêjos :)

Pronúncia disse...

:)

Storyteller disse...

Quem me dera ser pequenina e estar em casa a brincar com legos...
***

Anónimo disse...

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