Há dias de inverno em que a luz do dia se ofusca de cinzentos, filtrada por negras nuvens que se escurecem e teimam em não se querer chorar em lágrimas de chuva. Nesses dias as criaturas que vivem na noite abandonam os buracos e saem das florestas sem recear os medos ou os homens.
De tempos a tempos as fadas e outros seres de mistério e poder, sem se saber porquê, apenas movidos pela vontade própria decidem revelar-se às arvores ou a quem lhes apetece, aos bichos rasteiros, animais colectores ou predadores e até aos seres que se intitulam de humanos.
Fizeram-no ao bardo poeta, num momento de generosidade, sobre a forma de sonho numa noite quente, sem brisas. Mostraram-se ao poeta em formas belas inspirando arte escrita sobre a forma de comédia.
Fizeram-no ao Veneziano adoptado, num momento de encanto, sobre a forma de fábula céltica em tempo de guerra. Mostraram-se ao contador em formas de enigma inspirando arte pintada sobre a forma de lenda.
Fizeram-no ao mestre dos sonhos, num momento de trapaça, sobre a forma de personagens secundários numa história principal. Mostraram-se ao sonhador em formas de negro inspirando arte gráfica sobre a forma de fantasia.
Mas as fadas e os faunos e os duendes e os trolls e as banshees podem assumir a forma que quiserem e é raro que se mostrem como criaturas de sonho e é raro que nos inspirem bons sentimentos, preferem mais ser personagens de pesadelo, elementos manipuladores que nos puxam os cordelinhos das emoções só por que lhes caímos em desgraça e nem poderemos entender os seus objectivos pelo menos com nossos padrões de compreensão.
Foi num dia deste inverno em que me escureci da cor do céu, que o vi pela primeira vez, um ser pequeno, a dar-me pela cintura com pernas de bode e corpo de macaco, de rosto sorridente, que mudava de face por entre o feio e o belo, pequenos chifres e orelhas pequenas e pontiagudas. Esfreguei os olhos na dúvida da aparição e ele não desapareceu e disse-me que era Puck o artista maldito, servo de confiança do rei Oberon e amante da rainha Titania e agora meu conselheiro para os dias difíceis que me iriam visitar, para não me preocupar que ia ser o meu melhor amigo. Tentei sacudir-me do sonho, mas era dia e não dormia, era finalmente a loucura a conquistar o seu direito de me possuir.
“Eu sou tanto o produto da tua imaginação, como tu és da minha, podes aceitar-me como um incomodo, uma comichão num sitio que não podes coçar em público ou uma dor que começa na cabeça e vai acabar no recto ou podemos ser parceiros, amigos, companheiros de folia e bebida e comida e festa, eu peço pouco e dou muito, dizem que dou sorte a quem me aceita e dizem que posso ser mau, maldoso, trapaceiro, enganador, traiçoeiro mas na realidade esta é a minha natureza, estarei aqui para ti, eu peço pouco e dou muito, agora apenas quero um pedacinho do teu espaço, ambiciono voltar a interagir com os homens, quero contar as minhas histórias, quero partilhar os teus leitores, quero que me libertes, que me venhas buscar a Dublin, serei o lúpulo no fundo de uma pint de Guiness, sabes que o lúpulo tem sexo e na Guiness o lúpulo é sempre feminino, eu posso ter muitas formas e nem sempre me apraz ser homem”
Acabei por ceder à minha loucura e fui a Dublin, queria libertar-me da minha imaginação delirante e bebi muitas Guiness e não o vi, nem o senti e regressei convencido que estava são, mas estava errado e agora este espaço deixou de ser só meu e sei que não voltará a ser o mesmo, o meu pesadelo acordado começa ou termina hoje…
The Pogues With The Dubliners-Irish Rover