Chego de saco de plástico na mão, lá dentro trago apenas uma desculpa para aqui chegar, trago algo impregnado com o meu cheiro e ainda outros cheiros que me relembram uma longa noite passada entre o fumo de muitos cigarros e o esvaziar de uma curta garrafa de ardor que serviu para me arrefecer as incertezas num momento de esquecimento forçado. Depressa percebo que não encontrarei o que aqui vinha procurar, apenas a mulher mais jovem que se agita quando me vê e começa a falar mais depressa do que eu a consigo perceber.
Conta-me que a colega não está, que teve que se ausentar por causa de um assunto de família e de doença e que tinha ficado desesperada por me ter faltado, por ter faltado ao encontro que tanto tinha antecipado e que não tinha o meu contacto para me avisar, para me explicar o que se passava e que tinha partido de coração partido. Pede-me que acredite, pede-me que lhe deixe forma de me contactar, que a colega voltará em breve. Peço que se acalme e que sim lhe deixarei o meu número e que esperarei pelo telefonema da colega e que a entendo e que o futuro é amanhã e não foi ontem. Acabo por trocar uma camisa por lavar, sebenta de incertezas e artifícios por uma promessa de um recomeço.
Saio dali a pensar nas razões que me levam a ter episódios de insegurança mesmo naquilo que nada pode ainda significar. Cruzo-me com gentes a quem avalio os pensares e o que as move e o que as apaixona e o que as faz sair de casa decididas a viver mais um dia. O telefone toca e interrompe-me os pensamentos, atendo solicito e enceno cenários de coisas que tem que acontecer porque alguém necessita que aconteçam e deixo de ser aquilo que gostaria de ser para voltar a ser aquele que esperam que eu seja e isso incomoda-me. Cada vez me incomoda mais manter uma imagem e imagino se esta multidão que me rodeia interpreta um papel principal na sua própria vida ou apenas um papel secundário redundante insignificante irrelevante.
Decido sorrir por ter vontade e por me lembrar na mulher de cabelo amarelo que me viu um dia nu e desta mulher que lava camisas e que passou a ver na vida simplicidades com outras dimensões e que me quer conhecer e o quanto isso me atrai e porque isso me atrai e o telefone toca de novo. Desta vez ouço do outro lado uma voz feminina que se interrompe para me convencer de razões, por fim acabamos por combinar um novo encontro daqui a dois dias e porque é sábado poderemos almoçar e talvez passear à beira do rio ou ir a um cinema ou o que me apetecer porque foi ela que me falhou e eu digo que não, que fez o que tinha que fazer porque a vida traz-nos outras prioridades que se nos antecipam e despedimo-nos com um beijo.
Passo agora por alguém que me estende a mão solicitando piedade, o cheiro a álcool revela-me o teor da sua fome, mas agora não me importa justificar a forma da fome se ela existe e levo a mão ao bolso e despejo na sua algumas moedas de diferentes cores e tamanhos e pergunto-lhe porquê. Olha-me de olhos perdidos e surpreende-me que compreenda a pergunta mas não lhe saem da boca respostas apenas um encolher de ombros que quer que eu entenda e eu entendo porque percebo que o que me separa daquela fome foram apenas instantes ou acasos ou medos ou falsas sensações de coragem e nunca remorsos.
Volto a vestir a mascara do lobo sobre a pele do cordeiro e entro no edifício de paredes que me apertam a vida neste sufoco sem que o grito que me quer sair da alma se faça ouvir.
The Passions - I'm in love with a German film star
27 comentários:
Mais uma loucura da normalidade.
Cada vez que leio o teu louco impoluto, pergunto-me a mim própria se não serei eu igualmente uma louca impoluta no meio da normalidade que é o meu mundo.
Keep writing!
:)
Essa estória da lavandaria ainda vai dar em algo mais do que um simples casamento :-)
Bom fim-de-semana, menino Jesus
O último parágrafo diz tudo... Como sempre, muito bom :)
Bom fim de semana, beijinhos :)
Leio-te sôfrega. As palavras escorregam-me pelos dedos , quando tento um comentário. Não que seja necessário. E muito menos, obrigatório. Mas ao ler-te, agitam-se em mim cores que desconhecia. Os sabores readquirem o tempero e os aromas espelham-se em contra-luz.
Impoluto. Numa loucura saudável.Pureza absorvente. Sem mácula.
É assim que te leio.
E assim , gostaria de saber escrever.
Não tenho muito mais a dizer sobre as os teus diários. Apenas que sou mais uma fã. Apenas que gosto da forma como entrelaças as palavras nas estórias e em ti próprio.
Beijos do sul
LBJ, começo a suspeitar que a lavandaria (ou que ela lá tem dentro) te está a causar um fascínio assim para o... grande!
Hum! A ver vamos... ;)
Bêjos
Boa página de diário!
Gosto da tua escrita.
Abraço
"por uma promessa de um recomeço."
Isto soa-me BEM!!! :D
"Decido sorrir por ter vontade"
Huumm... Eu nunca "decido". Tenho um sorriso fácil, muitas vezes sobre coisas que me passam na cabeça, e nunca dei comigo a decidir sorrir. Só aflita quando quer manter uma postura séria e não consigo. Os mais atentos, vêm o sorriso no meu olhar. E os mais curiosos, chegam a perguntar de que sorrio eu. :)
"o que me separa daquela fome"
A fronteira é frágil, seja desta ou de outras fomes.
"sem que o grito que me quer sair da alma se faça ouvir"
Se gritares aqui, nós ouvimos.
Mas se gritares aí... Pois, talvez fiques afónico, mas pelo menos tentaste! :D
Beijitos :)
Enquanto chegares de saco de plástico na mão e não dentro de um saco de plástico, ainda há esperança no debelar da loucura.
Eu acho que todos gostariamos de ser actores principais mas nem sempre dá ou talvez ainda não somos porque não queremos, sei lá?!
Acho interessante a tua maneira de veres as coisas... és um observador que sabe traduzir para a escrita aquilo que vê, e o fazes de uma forma fascinante! :)
Hoje fiquei um tanto baralhada.
Não me dou bem com o óbvio,fujo dele a sete pés.
Curiosa,muito curiosa no caminho que se segue.
A máscara, raios partam à máscara que precisamos de usar sempre, como forma a escondermo-nos do mundo ou fugirmos dele, ou até vivermos como querem que vivámos a vida que é nossamas afinal gerida por outros, sem que tenhamos a sorte de ter nela, afinal, o papel principal.
Beijos
Storyteller,
Não me pareces nada louca, já impoluta... :)
I will :)
Beijos
Francisco,
Casamento não dará mas garanto-te que dará uma história a desenvolver nos próximos 3 diários (sem contar com o que será publicado hoja ao meio-dia) :)
Abraço
Fairy,
O último parágrafo sintetiza tudo sim.
Obrigado :)
Beijinhos
AnaMar,
bem vinda, volta mesmo mais vezes por favor :)
Obrigado pelas tuas carinhosas palavras, deixaram-me bastante feliz.
Beijo
Ana,
Sabes que és uma das pessoas responsáveis por eu escrever e ter vontade de continuar :)
Bêjos do Sul um pouco mais rasca :)
Pronúncia,
É uma história tu sabes disso, mas vai-se desenvolver ;)
Beijos
Bongop,
Obrigado :)
Abraço
Fada,
Doce amiga, eu sei que estás ai e sei que se gritar tu me vais ouvir :)
Obrigado...
Beijitos
Rafeiro,
Eu se chegasse num saco de plástico haveria de ser motivo para muitas histórias loucas :)
Abraço
Fátima,
Às vezes basta querermos para sermos personagens principais da nossa história outras, por muito que lutemos, somos apenas parte do cenário, mas quero acreditar que vale a pena tentar sempre :)
Obrigado :)
Beijos
Rosebud,
O óbvio nem sempre é o pior caminho e não devemos fugir dele só para ser diferente.
Continua por aqui que prometo que ainda vais ter muitas surpresas ;)
Beijos
Gata,
Costumo dizer que o mal não é a máscara que mostramos mas aquela que ainda temos por baixo :)
Beijos
tenho tanta pena de não te ler com a regularidade merecida, mas por outro lado, cada dia, cada palavra, cada conto vale por si mesmo...não vale a pena lamentar
hoje li-te de coração aberto
beijos
p.s. olha ando com alguma dificuldade em ler algo que me agrade, vou pedir-te licença e vou-te imprimir.
Menino J.
Tem pouco a ver com a diferença.
Parece-me,apenas,que o óbvio não permite a surpresa.Naturalmente que há excepções e há óbvios muito felizes e saímos do cinema com a alma leve e sabe bem.
Está claro que continuo aqui a ler,ou não fosse este um dos sítios onde melhor se escreve.
E se o final fôr óbvio,venha ele!
bj
Fiquei tão orgulhosa com o que disseste....
Bêjos do sul mesmo a sul, o genuíno
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